quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

A necessidade de agregação de valores aos produtos da Amazônia

Said Barbosa Dib
ALCMS: de Área de Livre Comércio a Área Industrial - José Sarney (PMDB-AP) há muito vem lutando no Congresso Nacional pela aprovação do projeto de lei de sua autoria que beneficia a Amazônia Ocidental - e a Área de Livre Comércio de Macapá-Santana - com incentivos fiscais que permitirão a agregação de valores aos produtos típicos da Amazônia. O projeto encontra-se enrolado na Câmara (ouça a matéria da Rádio Câmara sobre o assunto no final deste texto). Mas, ao mesmo tempo que tenta aprovar seu projeto no Congresso, o senador está tentando aperfeiçoar a ALCMS – Área de Livre Comércio de Macapá e Santana – de outra maneira. Ele vem sendo o principal articulador da regulamentação das chamadas ZPEs – Zonas Produtoras de Exportação – junto ao Presidente Lula, que poderiam dar maior dimensão e produtividade ao que já existe no Amapá. Isto porque foi o criador, há vinte anos, das primeiras destas plataformas de exportação no país. Com o apoio que vem dando ao governo Lula, vem conseguindo progressos. Dia 15 de janeiro, a primeira vitória: Lula assinou a - MP 418 – regulando a Lei 11.508/07, que cria as ZPEs - Zonas de Processamento de Exportação.
Quanto ao projeto que está na Câmara, a frente de batalha não depende necessariamente do apoio de Lula. Lá o projeto de Sarney encontra certa resistência de alguns lobbys das indústrias da Região Sudeste, que temem que seja criada mais uma Zona Franca de Manaus. O que é um erro crasso, pois, diferente da atual Zona Franca de Manaus, que trabalha com grande quantidade de insumos importados, as isenções de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) previstas pelo projeto para a Amazônia Ocidental e o Amapá se aplicam a bens elaborados com matérias-primas regionais, incluindo produtos de origem animal, vegetal, mineral, agrossilvopastoril, agroindustrial, de biodiversidade, máquinas e implementos agrícolas, cerâmicas e vidros. Daí a importância para a agropecuária, a indústria moveleira ou o extrativismo, pois estes setores serão diretamente beneficiados, na medida em que exportarão não apenas matéria-prima bruta, mas poderão agregar valor ao que for exportado, permitindo a obtenção de preços mais interessantes e o desenvolvimento da indústria local, gerando emprego e renda para o povo.

O caso Icomi - Se esta medida tivesse sido tomada nos tempos da extração de manganês no Amapá, por exemplo, o estado hoje estaria em melhores condições. Isto porque a empresa Icomi, que recebeu a concessão para explorar o manganês, criou uma estrutura impressionante para extrair e exportar o minério usado na produção de aço e na indústria de armas. A agregação de valores à matéria-prima, o que dá efetivamente lucro, não era feita no Brasil, mas na Europa e nos EUA. Não se preocupou em formar mão-de-obra especializada, não se investiu em centros tecnológicos locais, não se preocupou em valorizar as forças produtivas locais. A tecnologia, assim como o capital, era importada. A empresa apenas construiu 200 quilômetros de ferrovia e uma cidade para abrigar 3 mil funcionários desqualificados e suas famílias. Mas o manganês, matéria-prima com preços manipulados pelos oligopólios do eixo Londres-Nova York-Amsterdã, foi exportado por preços vis pelos cartéis da comoditti, maquinofaturados no exterior e revendidos a preços maximizados (inclusive para o Brasil), aumentando o capital da multinacional. Capital que, lógico, pela remessa de lucros, não ficou no Brasil, portanto, não foi investido na auto-suficiência econômica da economia amapaense. Algo parecido com que aconteceu no século XVIII com o ouro das Minas Gerais, que, servindo como pagamento das dívidas de Portugal, acabou por financiar a 1ª Revolução Industrial na Inglaterra.
Quarenta anos depois, o manganês se esgotou. Já enriquecida, a mineradora deixou de ter lucro na Serra do Navio. A empresa abandonou a jazida em 1997, seis anos antes do combinado. Deixou para trás uma cidade órfã de mais 7 mil habitantes, muitos buracos, poucas alternativas econômicas e uma lista gigantesca de problemas jurídicos e ambientais.

"Ver-o-Peso" versus Natura - Outro exemplo da importância da providência do senador Sarney vem do Pará, Estado vizinho ao Amapá. Segundo o jornal "O Liberal", três essências aromáticas oriundas daquele estado foram transformadas em perfume de sucesso nos salões da elite européia - a priprioca, o breu branco e o cumaru. A empresa "Natura do Brasil", outra transnacional sediada no Sudeste, que comercializa produtos de beleza e perfumes, é acusada por seis vendedoras de ervas medicinais do mercado "Ver-o-Peso", em Belém, de enganá-las, gravando com elas longas entrevistas filmadas onde aparecem revelando seus segredos de manipulação das essências.
O que elas ensinaram nas entrevistas são conhecimentos adquiridos de seus antepassados, como o processamento de raízes vegetais e extração das essências brasileiras de odor agradável, vendidas a preços irrisórios para turistas nas 80 barraquinhas de ervas da feira - um vidrinho com priprioca custa R$2. A mesma priprioca submetida a sofisticado processo industrial pela Natura é vendida a R$ 162 o frasco, com 30ml. Ou seja, com a agregação de valor.
Agora, na comunidade de Boa Vista, a 70 km da capital paraense, a Natura compra toda a produção da planta. Um segundo centro de produção está sendo aberto pela empresa em uma comunidade do município de Benevides, a 30 km de Belém. A OAB chamou a atenção para alguns fatos que vem ocorrendo com ervas e frutos típicos da Amazônia, como o açaí, o cupuaçu a andiroba e a copaíba, cujas patentes chegaram a ser registradas por empresas japonesas, americanas e alemãs.
Não precisa dizer que tanto a priprioca, quanto a andiroba - e outras matérias-primas - já começam a faltar no mercado do Ver-o-Peso. A transnacional está comprando tudo para levar para a Europa. O pau-rosa, por exemplo, já não se acha facilmente. Quando encontrado é muito caro. Levaram tudo do Pará. Já não existe mais. Transformaram o pau-rosa no famoso e caro perfume Channel, capricho para nove entre dez dondocas do mundo todo.

Desigualdade e preconceitos - Enquanto isso, segundo o IBGE, num universo de 180 milhões de habitantes, 72 milhões de brasileiros sofrem de "insegurança alimentar". Mulheres, negros, pardos, nordestinos e nortistas são os mais afetados. Desses excluídos, 14 milhões literalmente passam fome e 6 milhões moram em casas com rendimento mensal de até 65 reais por pessoa. Nos estados de Roraima, Amapá, Pará, Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco e Bahia, o porcentual de domicílios com insegurança alimentar grave ultrapassa os 10%. Já São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Santa Catarina têm porcentuais próximos a 4%. Daí a importância de projetos como a do senador José Sarney.
Clique aqui para ouvir programa da "Rádio Câmara" sobre o assunto:

Nenhum comentário:

Postar um comentário