sábado, 15 de março de 2008

"Nova República": inflação demasiado baixa

O texto abaixo é do historiador marxista inglês Perry Anderson, pesquisador erudito e conhecido como um dos maiores críticos tanto do neoliberalismo quanto do comunismo de cunho soviético. Junto com Norberto Bobbio era citado como um dos dois grandes pensadores vivos do século XX. Grande defensor da social-democracia, foi autor de estudos importantes não só de História Contemporânea, mas também de clássicos sobre a formação do capitalismo e da modernidade, como “Linhagens do Estado Absolutista’ e “Passagens do escravismo para o feudalismo”.
No texto (transcrição de uma palestra), faz uma análise interessante sobre a origem e o desenvolvimento do neoliberalismo desde a II Guerra Mundial. Na parte em que fala sobre a hiperinflação - e a posterior imposição das políticas neoliberais na América Latina - faz comentários reveladores e extremamente importantes, desmistificando a idéia imposta pela mídia de que o governo da “Nova República” convivia com uma hiperinflação crônica (o que efetivamente aconteceu, como sabemos, somente após o acirramento do processo sucessório, no final do seu governo, diante dos ataques de Collor e do medo de um provável governo Lula).
Como consultor do Banco Mundial naquela época, o historiador mostra que membros daquele banco “de fomento” tinham razões políticas claras para destruir a possibilidade de uma política desenvolvimentista da “Nova República”, como forma de se forjar no Brasil, a partir de então, um modelo referencial (paradigmático mesmo) que pudesse quebrar as resistências de toda a América Latina ao neoliberalismo, como a História infelizmente viria a confirmar.

Confiram o trecho revelador da palestra do Perry Anderson, proferida no início dos Anos 90:

“Mas seria arriscado concluir que somente regimes autoritários podem impor com êxito políticas neoliberais na América Latina. A Bolívia, onde todos os governos eleitos depois de 1985, tanto de Paz Zamora, quanto de Sanchez Losada, continuaram com a mesma linha, está aí para comprovar o oposto. A lição que fica da longa experiência boliviana é esta: há um equivalente funcional ao trauma da ditadura militar como mecanismo para induzir democrática e não coercitivamente um povo a aceitar políticas neoliberais das mais drásticas. Este equivalente é a hiperinflação. Suas conseqüências são muito parecidas. Recordo-me de uma conversa que tive no Rio de Janeiro, em 1987, quando era consultor de uma equipe do Banco Mundial e fazia uma análise comparativa de cerca de 24 países do Sul, no que tocava a políticas econômicas. Um amigo neoliberal da equipe, sumamente inteligente, economista destacado, grande admirador da experiência chilena sob o regime de Pinochet, confiou-me que o problema crítico no Brasil durante a presidência de Sarney não era uma taxa de inflação demasiado alta – como a maioria dos funcionários do Banco Mundial tolamente acreditava –, mas uma taxa de inflação demasiado baixa. "Esperemos que os diques se rompam", ele disse, "precisamos de uma hiperinflação aqui, para condicionar o povo a aceitar a medicina deflacionária drástica que falta neste país". Depois, como sabemos, a hiperinflação chegou ao Brasil, e as conseqüências prometem ou ameaçam – como se queira – confirmar a sagacidade deste neoliberal indiano. A pergunta que está aberta é se o neoliberalismo encontrará mais ou menos resistência à implementação duradoura dos seus projetos aqui na América Latina do que na Europa ocidental ou na antiga União Soviética. Seria o populismo – ou obreirismo – latino-americano um obstáculo mais fácil ou mais difícil para a realização dos planos neoliberais do que a social-democracia reformista ou o comunismo?”

Para conferir a palestra completa, acesse:

BALANÇO DO NEOLIBERALISMO

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