quarta-feira, 21 de maio de 2008

Amazônia Brasileira


“O que está em jogo é o futuro do Brasil”

Ao comentar a saída de Marina Silva do Ministério de Meio Ambiente, a imprensa nacional e internacional tem especulado que a gota d´água para o desenlace foi a entrega da gestão do Plano Amazônia Sustentável – o badalado PAS – ao ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência, Mangabeira Unger, e não à ex-ministra. A nosso ver, o plano influiu decisivamente para o afastamento de Marina, mas não por ela ter sido preterida em sua gestão, mas pela mudança de diretrizes que conformaram o PAS que colocou o ‘desenvolvimento sustentável’ à reboque do desenvolvimento socioeconômico da região, quer dizer, os 25 milhões de pessoas que lá moram e trabalham ganharam prioridade sobre plantas e animais. Quem melhor elucidou esta visão foi o próprio Mangabeira Unger em importante entrevista concedida à BBC que, por sinal, havia dedicado a semana passada para cobrir assuntos da Amazônia, para onde deslocou uma equipe de jornalistas e fotógrafos. Por sua importância, destacamos abaixo os principais trechos da entrevista, concedida à BBC dia 14 passado em Manaus, e pode ser lida na íntegra em http://www.bbc.co.uk/portuguese/reporterbbc/story/2008/ :
"BBC – Na sua carta de renúncia, a ministra Marina disse que não teve todo o apoio do governo que achava necessário para fazer seu trabalho. É possível ter diferentes ministérios trabalhando juntos neste governo em torno da Amazônia?
Mangabeira Unger – O presidente me deu essa tarefa de coordenar os programas de desenvolvimento para a Amazônia,e ele disse que uma das razões pelas quais fez isso é que não queria que a coordenação da política para Amazônia fosse feita por um ministério especializado. É muito natural para um ministro do Meio Ambiente estar primeiramente preocupado com a preservação do meio ambiente, mesmo que enfatizando um comprometimento com o desenvolvimento. Da mesma forma que para o ministro da Agricultura é natural que ele esteja primeiramente preocupado com a produção agrícola. É muito natural que esses diferentes ministros tenham diferenças de ênfase. O presidente sentiu que a coordenação de uma questão de tamanho significado para a nação não deveria ficar na mão de um ministro especializado. Essa foi a posição dele."
Em seguida, o repórter questiona Mangabeira sobre o que o desenvolvimento sustentável realmente significa e do que necessita:
Mangabeira Unger – Há três pré-condições fundamentais. A primeira é a questão da propriedade da terra. Temos que esclarecer a titulação e a posse da terra. O segundo pré-requisito é que se faça um zoneamento ecológico e econômico da Amazônia, que possa definir uma estratégia para a Amazônia sem floresta, não só a que foi desflorestada, mas também aquela parte que nunca teve floresta, e outra para a Amazônia com floresta. A terceira pré-condição é a construção de um regime regulatório e fiscal que garanta que a floresta em pé valha mais do que a floresta cortada. Uma vez que essas pré-condições estejam satisfeitas, podemos tocar os quatro principais pontos de trabalho que nos foram dados para dar um conteúdo prático à idéia de desenvolvimento sustentável.
BBC – E quais seriam esses pontos?
Mangabeira Unger – O primeiro trabalho é tecnológico: a construção de uma tecnologia apropriada para a floresta tropical. Quase toda a tecnologia florestal disponível no mundo se desenvolveu para lidar com florestas temperadas, que são muito mais homogêneas e menos ricas que as tropicais. O segundo trabalho é técnico, a organização de serviços ambientais avançados na Amazônia, o que é mais fácil falar do que fazer. Para ter serviços ambientais avançados na Amazônia precisamos de pessoas altamente qualificadas, que estejam dispostas a viver e trabalhar fora das grandes cidades. Em todo o mundo, pessoas muito qualificadas querem viver em grandes cidades, e uma das razões é porque apenas nas grandes cidades eles têm acesso a serviços de alta qualidade. Ninguém no mundo descobriu ainda como prover serviços de alta qualidade em um amplo território. E esse é apenas um dos vários problemas novos que teremos que solucionar.
BBC – E quais seriam os outros?
Mangabeira Unger – O terceiro é legal e institucional, qual será o regime de propriedade sob o qual a floresta será gerida. Há uma tendência em países com floresta em todo o mundo de ir na direção de gerenciamento comunitário da floresta, como alternativa a um sistema de concessão para grandes negócios. Mas esse sistema de gerenciamento comunitário ainda tem que ser definido em um formato legal preciso. E o quarto trabalho, e possivelmente o mais formidável deles, é o desenvolvimento da ligação entre a floresta e as indústrias, indústrias que transformem a madeira e outros produtos da floresta. Essas indústrias não vão surgir a menos que a gente crie incentivos econômicos, não apenas para que elas se instalem, mas também para que seja adicionado valor a essa atividade industrial. Então é um grande trabalho.
BBC – Ministro, para que tudo isso funcione é preciso que diferentes ministros, políticos e atores, que como o sr. mesmo disse têm diferentes visões e interesses, trabalhem juntos e também é preciso que sejam estabelecidas prioridades na Amazônia. O sr. estaria preparado para enfrentar, por exemplo, os planos do Ministério da Agricultura para a Amazônia?
Mangabeira Unger – Eu creio que se produz uma impressão falsa, por causa do foco de alguns em rivalidades e desentendimentos. A verdade é que há base para uma convergência inclusiva de opiniões no Brasil. Há algumas pessoas que deixariam a Amazônia como um santuário, um parque, para o deleite e benefício da humanidade. E há algumas outras que acreditam que desenvolvimento requer portas abertas para formas predatórias de exploração. Mas a vasta maioria do país se opõe a essas duas visões e está determinada a encontrar uma forma para reconciliar três compromissos: o compromisso com a conservação, o compromisso com um sistema de produção inclusivo e o compromisso de defesa da nossa soberania. O que está no cerne desses três compromissos é a definição de uma estratégia econômica coerente. Sem essa estratégia, não teremos o compromisso com a conservação.
BBC – Por quê?
Mangabeira Unger – A Amazônia não é um conjunto de árvores. É primeiro um grupo de pessoas, de 25 milhões de brasileiros. Se essas pessoas não tiverem oportunidades, elas serão forçadas a atividades econômicas desordenadas, o que levará ao desflorestamento. Da mesma forma, sem uma estratégia econômica não existirão estruturas econômicas e sociais na região. Uma região vasta sem essas estruturas não pode ser defendida. Ou seja, se quisermos solucionar o problema de defesa, de um lado, e da conservação, de outro, temos que ter sucesso em criar uma estratégia econômica coerente. E para lidar com essa tarefa temos que superar essa falsa disputa entre os dois extremos dos argumentos. Temos que olhar para o conteúdo.
BBC – Mas quando se olha para o conteúdo do PAS ele parece com um plano de negócios, mais do que um projeto de desenvolvimento sustentável...
Mangabeira Unger – Não concordo de forma alguma. Primeiro é preciso dizer que esse plano é apenas um ponto de partida. Não é um programa completo.
BBC – Mas o plano menciona uma série de grandes obras, como hidrelétricas e portos, mas praticamente não toca na questão da preservação.
Mangabeira Unger – Eu não concordo. É verdade que os projetos do governo foram incluídos no documento, mas na verdade o compromisso com a preservação está em todo o texto. Mas o problema não é o texto. O trabalho aqui não é ficar interpretando o significado das palavras neste texto, porque como eu disse este plano é apenas um ponto de partida. A questão real é o que vem agora, como tomamos agora ações de curto prazo que possam ter um efeito imediato, mas que ao mesmo tempo sinalizem a direção em que planejamos avançar. E essa é a nossa preocupação agora. É por isso que estou aqui hoje (quarta-feira) visitando o governador do Amazonas e tenho a intenção de visitar todos os governadores da região amazônica. Estamos procurando por eixos que nos levarão do curto prazo para o longo prazo.
BBC – E que medidas seriam essas?
Mangabeira Unger – Hoje, por exemplo, nós discutimos que ações práticas podem ser tomadas para resolver a questão da propriedade da terra, nos colocando em um caminho acelerado para ir da posse à propriedade da terra. Também discutimos como podemos criar alternativas práticas para a produção em pequena escala para quem está nas zonas de transição entre a floresta e as áreas abertas, para que essas pessoas não sejam empurradas na direção das atividades ilegais. E ao mesmo tempo temos que ter um aparato do Estado monitorando esse processo. Também discutimos a construção de uma rede de parques industriais para transformar madeira e outros produtos da floresta. Além disso, também discutimos a questão da formação humana. A mais promissora das idéias é uma nova forma de formação secundária, que combinaria educação geral com educação técnica e profissional.
BBC – O sr. está falando de uma grande transformação do modelo de desenvolvimento da região, algo extremamente difícil e amplo. O que é preciso para que se possa realmente alterar esse modelo?
Mangabeira Unger – É preciso quebrar essa tarefa em tarefas menores, usando pequenas coisas para construir as grandes. É disso que precisamos. Estamos convencidos que a Amazônia é uma causa nacional e não uma causa local. É um grande laboratório nacional, não é uma fronteira apenas da geografia, mas também da imaginação. E é o terreno em que podemos nos reinventar e nos reconstruir. É um ponto singular na história do país. No século 19 nós ocupamos as costas, no século 20 caminhamos para o oeste e o centro do país e no século 21 vamos transformar o Brasil através da transformação da Amazônia. O que está em jogo na Amazônia é o futuro do Brasil.

Esta matéria está na revista “Alerta em Rede”, no endereço:
http://www.alerta.inf.br/index.php?news=1318

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