domingo, 28 de setembro de 2008

Adriano Benayon*

Falácias sobre as classes de renda

Com a costumeira superficialidade, a mídia transmitiu resultados pinçados de estudos do IPEA e da Fundação Getúlio Vargas (FGV) sobre mudanças nas classes sociais brasileiras nas seis regiões metropolitanas do País. O levantamento do IPEA, que se baseia em dados do IBGE, considera rendimento apenas a renda proveniente da remuneração do trabalho, o que exclui os ganhos com investimentos.
Foi destacado, citando estudo da FGV, que, de 2003 a 2008, se reduziu de 35% para 24,1%. o número de pessoas pobres - com renda igual ou inferior a meio salário mínimo. Parece claro o efeito dos programas assistenciais, como o Bolsa Família, pois receber meio salário-mínimo está longe de significar inserção na economia produtiva.
Alardeou-se, ainda, uma suposta diminuição da pobreza, abrangendo também os da faixa de um salário mínimo. Conforme esses dados, de 42,82% em abril de 2002, o percentual de "miseráveis e remediados" (classes "D e E"), desceu para 32,59% em abril de 2008.
Ora, houve mais pontos percentuais (10,9) na redução do número de indivíduos com “renda” inferior a meio salário mínimo do que os pontos de queda (10,2) no conjunto de famílias que inclui também a classe D. Em suma, é uma falácia dizer que houve redução da pobreza.
No outro extremo ter-se-ia elevado de 0,8% para 1% o número das pessoas que recebem renda mensal igual ou superior a 40 salários mínimos (R$ 16,6 mil), indicando ser inexpressivo o crescimento do número de indivíduos na classe de maior renda.
Ao contrário terá sido digna de nota a elevação do percentual dessa classe na renda total, em função dos ganhos crescentes dos rendimentos do capital, em decorrência dos juros altíssimos e dos lucros em ascensão para os bancos e para as grandes empresas. Na realidade, prossegue a tendência à concentração de renda iniciada nos anos 60, a qual fez cair à metade a participação dos salários na renda total, dos 60% de então para 30% nos dias de hoje.
Deixando de lado a pobreza só estatisticamente encolhida por meio da classificação enganosa das faixas de renda e considerando a pobreza verdadeira, os próprias dados oficiais mostram um quadro sombrio. Assim, as famílias ditas mais ricas, ou seja, com renda mensal superior a R$ 4.591 (R$ 918 por indivíduo, quantia equivalente a apenas 2,2 salários mínimos), passaram a representar 15,5% em 2008, subindo 2,5 percentuais desde 2002.
Em retrospectiva de prazo mais longo, em vez de elevação do percentual, houve considerável queda na participação numérica desses supostos mais ricos. Somadas as classes denominadas média (média mesmo, rendimento familiar de R$ 2.500 a R$ 5.000, em reais de 2004) e a média alta (acima de R$ 5.000), o percentual caiu de 13,5% para 11,1%, de 1981 para 2002.
Mais grave, essas percentagens ocultam a brutal erosão do rendimento médio de todas as classes de renda, o qual decresceu em mais de 40% em termos reais de 1997 a 2004, situação pouco alterada em função da recuperação desprezível verificada após 2004.
Difundiu-se também ter a classe média, segundo o estudo da FGV, crescido para mais de metade da população das regiões metropolitanas (51,89%), partindo de abril de 2002, quando seriam 44,19%. A FGV define a classe média como famílias com renda entre R$ 1.064 e R$ 4.591 (R$ 214 a R$ 923 durante o mês por pessoa, respectivamente 05 a 2,2 salários mínimos). Sim, não é brincadeira: a partir de meio salário mínimo a pesquisa da FGV já enquadra a renda per capita familiar na categoria de classe média.
Evidentemente vem sendo pintada uma paisagem rósea ou idílica, com base no abusivo pressuposto de tais patamares de renda corresponderem à “classe média”. Até poderia ser se:
1) a percentagem de miseráveis e indigentes não fosse quase igual à da discutível classe média; 2) a percentagem da camada mais alta não fosse tão pequeno.
A tornar as classificações e as estatísticas ainda mais enganosas há também a depressão dos rendimentos obtidos pela quase totalidade dos residentes no País, em função do saqueio das riquezas nacionais que já cheguei a quantificar em artigo anterior na casa dos R$ 2 trilhões por ano.
Houve apenas ligeira melhoria para os que percebem o salário mínimo, graças aos aumentos reais deste nos anos mais recentes. Isso, entretanto, não deve escamotear de nosso entendimento o fato de continuarem escandalosos os números e as condições extremas da pobreza, nem que prossegue a deterioração do padrão de vida da “classe média”, grande parte da qual vive realmente a pobreza.
O próprio presidente do IPEA. Márcio Pochmann reconhece: "... O ganho de produtividade acumulado na economia não está sendo repassado para os salários. Ao não repassar esses ganhos, os produtores terminam formando um segmento mais privilegiado da população". Esse comentário teria sido ainda mais certeiro, se Pochmann tivesse dito: empresas transnacionais e bancos, em vez de produtores.
A pesquisa do IPEA assinala, com efeito, que os ganhos na produtividade não são repassados aos salários: dados da indústria brasileira indicam que o crescimento dos ganhos desta foi de 22,6% entre 2001 e 2008, enquanto a folha de pagamento por trabalhador se elevou em só 10,5%.
Ainda Pochmann: "O setor da indústria tem um sindicato muito forte. Se neste setor o ganho de produtividade não está sendo repassado para o salário, em outros setores a diferença deve ser bem maior".

*Adriano Benayon do Amaral
é diplomata de carreira, Consultor Legislativo da Câmara dos Deputados e, depois, do Senado Federal, na Área de Economia, aprovado em 1º lugar em ambos concursos. Doutor em Economia pela Universidade de Hamburgo e Advogado, OAB-DF nº 10.613, formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Foi Professor da Universidade de Brasília e do Instituto Rio Branco, do Ministério das Relações Exteriores. Autor de “Globalização versus Desenvolvimento”.
benayon@terra.com.br

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