sexta-feira, 3 de outubro de 2008



Réquiem para o neoliberalismo


As bolsas, fartas dos tempos do vale-tudo, pediram que não lhes mandassem flores e sim o socorro que elas sempre condenaram como uma intervenção maléfica no mercado que, sozinho, tudo resolveria, até mesmo os problemas da economia e da sociedade. Caímos na armadilha.
O comunismo morreu sem um tiro, vítima de suas próprias contradições: foi um suicídio. O capitalismo está morrendo, não funciona mais com suas próprias pernas e socorre-se do Estado interventor. Este surge como tábua de salvação. Tony Blair falou certa vez na terceira via, que não era nem terceira, nem via, mas sim uma maneira de salvar os dedos, perdendo alianças e não anéis. Melhor pensou Deng Xiaoping, com sua China de dois sistemas, capitalista e socialista, que pelo menos tem a vantagem da evidência do sucesso.
Nesse episódio da atual e surpreendente crise a que estamos assistindo, sem saber onde está o fundo, fica a vergonha da classe política americana, que se mostrou incapaz de servir ao país e desrespeitou o interesse público. Deram o mau exemplo de não distinguir entre os interesses da pátria e os dividendos políticos e eleitorais. Onde está um Lincoln, Jefferson, Washington ou Roosevelt? Os próprios candidatos esconderam-se na mediocridade de subterfúgios e lugares comuns, sem mostrar capacidade de liderar. A primeira virtude do líder é a coragem, a segunda é não ter medo de decidir segundo o interesse do povo, sem julgar se ele próprio vai ganhar ou perder. Acrescente-se o fato de que esta é a primeira crise que ocorre com a globalização financeira, que chega até mesmo a Bora Bora. Para usar uma citação lugar-comum, lembremos Fukuyama falando no fim da História, com a definitiva implantação da economia de mercado e da democracia liberal. Se uma e outra se mostram incapazes de resolver uma crise dessa dimensão, como achar que elas esgotam os caminhos da humanidade? Faliram o mercado selvagem e a democracia, logo no país que é o seu berço e padrão, mostrando-se incapazes de criar homens públicos que sirvam de exemplo de estadista mundial.
Bush nivela-se a tais parceiros neste episódio. Ele, que passará à História não como Quixote, o cavaleiro da triste figura, mas como a figura do triste homem que levou seu país ao fundo do poço, sendo o grande conservador capitalista, matou-o não com um beijo, como Oscar Wilde na Balada do cárcere de Reading, mas com a espada da crueldade, cujo único triunfo foi a cabeça de Saddam. Ela valeria isso?
Agora vão querer consertar, mas o estrago e as conseqüências já estão aí.

José Sarney é ex-presidente, senador do Amapá e acadêmico da Academia Das Ciências de Lisboa e da Academia Brasileira de Letras

Nenhum comentário:

Postar um comentário