quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Rio São Francisco

Uso da água terá cobrança de taxa
Daniel Rittner - "Valor Econômico"

À procura de recursos para estruturar ações de despoluição e com o objetivo de fomentar o uso mais racional de seus recursos naturais, o comitê da bacia hidrográfica do São Francisco está em fase final de discussões para implementar a cobrança pelo uso da água do lendário rio que cruza o sertão nordestino. Os valores da cobrança já foram definidos, em conjunto com a Agência Nacional de Águas (ANA), e são muito próximos das outras duas bacias que criaram taxas para a captação da água: Paraíba do Sul e Piracicaba, Capivari, Jundiaí (PCJ) - ambas no Sudeste. Ruy Baron / ValorBenedito Braga, do ANA: "Precisamos coletar recursos por meio da cobrança, sem inviabilizar o sistema produtivo" A agência acredita que a cobrança começará ainda neste ano, mas pequenas divergências entre governos estaduais e demandas da agricultura irrigada podem adiar a implementação para 2010. No ano passado, a arrecadação com a taxa nas duas bacias do Sudeste atingiu R$ 24,6 milhões. Prevista na lei 9.433, de 1997 (a chamada Lei das Águas), a ideia de cobrar pelo uso dos recursos hídricos baseia-se na deterioração da qualidade e até da quantidade de água nos rios, dando a ela um valor econômico. Parte dos recursos levantados com a cobrança tem financiado a construção de estações de tratamento de esgoto, além de programas de controle de enchentes e ações de planejamento integrado de zonas urbanas. Benedito Braga, diretor da ANA, frisa que esse dinheiro é suplementar e o objetivo da cobrança não é resolver todos os problemas de saneamento de uma bacia, mas "incentivar o usuário a fazer bom uso dos recursos hídricos por meio de um instrumento econômico". Mesmo assim, Braga entende que os valores cobrados até agora são baixos e há espaço para aumentá-los. "A avaliação da agência é de que precisamos coletar mais recursos por meio da cobrança, sem naturalmente inviabilizar o sistema produtivo", diz.

Meu comentário:

Esta coisa de se considerar elementos naturais essenciais (como a água ou o ar) cada vez mais como mercadorias - em nome de uma pretensa necessidade de preservação e racionalização - é algo muito perigoso. Água e ar são essenciais à vida. Nunca, jamais, poderiam ser considerados commodities. Isso sempre deu em safadeza. Primeiro, começam cobrando taxas. O argumento manjado – e errôneo - é o de que o Estado não teria recursos orçamentários suficientes e coisa e tal. Depois, as taxas são progressivamente majodaras. E logo vem o discurso de que o que é arrecadado não basta para manter os serviços e o fornecimento. Daí, os que dirigem o Estado começam a falar em privatizar os serviços. É aquela “modernidade” que assolou a América Latina nos Anos 90, por exemplo. O argumento é o da “eficiência” privada, às vezes acompanhada do que seria uma "estrutural corrupção" do Estado e bla,bla,blá... E aí, meu irmão, a sugeira é grande. A verdade é que a privatização da distribuição da água foi uma realidade terrível tanto na América Latina quanto na Europa. Nos dois continentes o negócio começou não com a privatização em si, mas, também, como estão querendo fazer agora no Rio São Francisco, com a cobrança progressiva de taxas, sempre sugeridas por agências reguladoras como a ANA. A multinacional francesa Suez, por exemplo, fez muita sujeira na Argentina, no famigerado governo Carlos Menem. A Suez deixou o controle de Águas Provinciales de Santa Fé, depois do fracasso das negociações com o governo da província, que não permitiu que a empresa aumentasse suas tarifas em 60%. O governador de Santa Fé, Jorge Obeid, mostrou que empresa não havia feito os investimentos previstos. Apresentou projeto de lei que colocou a distribuição da água novamente sob o controle do Estado provincial. A Suez havia obtido uma concessão de 30 anos que lhe garantia exclusividade no fornecimento de água potável a 700 mil usuários. O grupo francês também controlava a rede de água e esgotos da província de Córdoba e da grande Buenos Aires, onde vivem cerca de 11 milhões de pessoas. A concessão das Aguas Argentinas, na capital, era a maior e a melhor organizada no mundo até o início da parceria com a Suez, em 1993. Ao assumir o poder, o presidente Nestor Kirchner denunciou “o não cumprimento repetido” dos compromissos assumidos na privatização. Depois de deixar a Argentina, a Suez Ambiental teve de sair também de La Paz, capital da Bolívia, no início de 2007. Em sua política de nacionalização dos setores econômicos de interesse público, o presidente Evo Morales decidiu retirar definitivamente do grupo francês a concessão de água e de saneamento de La Paz e da cidade-dormitório de El Alto. Foi o ponto final de mais de dois anos do conflito. A saída da Suez da Bolívia ocorreu depois de três dias de mobilização dos habitantes de El Alto, em janeiro de 2005, exigindo a volta da distribuição da água para o setor público. A concessionária Água de Illimani, sócia da Suez, afirmava que toda a população de El Alto tinha acesso à água potável. Porém, 70 mil pessoas moravam em casas não ligadas à rede de distribuição, pois o preço da ligação era exorbitante —445 dólares, o equivalente a quase oito meses de salário-mínimo boliviano. Outras 130 mil pessoas que vivem no território concedido à Águas del Illimani/Suez estavam fora da área de prestação de serviço da transnacional. A privatização da água na Bolívia teve início em julho de 1997. Em conseqüência de pressões do Banco Mundial e FMI (sempre eles), as autoridades bolivianas entregaram à Águas del Illimani/Suez a concessão para controlar por 30 anos as redes de água potável e saneamento de El Alto e La Paz. O processo foi fraudulento, pois não respeitou as regras normais a uma licitação pública. Uma única empresa respondeu à licitação, mas ainda assim o contrato foi assinado. O normal, em casos como esse, é abrir uma nova concorrência. Já no início da concessão, em 1997, as tarifas aumentaram 19%, e o custo das ligações, 33%. A lei boliviana, diferente do que ocorreu no Brasil com o canalha do FHC, proíbe a dolarização de tarifas públicas, mas a Aguas del Illimani indexou as suas ao dólar. Além disso, a insuficiência de investimentos da transnacional gerou focos de contaminação por doenças em diversos bairros de La Paz e El Alto, devido à distribuição de água não potável.No Uruguai, dois terços dos eleitores disseram que a água deve ser um bem público num plebiscito realizado em dezembro de 2004. A votação foi uma resposta à privatização das águas do país e levou a direção da empresa Uragua, constituída por capitais espanhóis e dona da concessão na região de Punta del Este, a anunciar que sairia do Uruguai o mais rápido possível. Segundo as autoridades uruguaias, a empresa não apenas desrespeitou compromissos sanitários — ao deixar que bactérias infectassem a rede — como custou aos contribuintes uruguaios mais de 100 milhões de dólares. A experiência, iniciada por pressão do FMI, foi desastrosa inclusive do ponto de vista econômico — até 2009 o país deverá pagar 70 milhões de dólares em juros, além de outros 10 milhões de dólares para recolocar em ordem a rede de água.No Paraguai, Peru e Equador, movimentos populares também se opuseram a qualquer tipo de privatização. Em Assunção, protestos realizados em 2002 acabaram com duas mortes. No Peru, o ex-presidente Alejandro Toledo mandou o Exército às ruas para reprimir rebeliões contra a privatização de duas companhias de eletricidade no sul do país, provocando uma morte. Toledo teve de proclamar estado de sítio e abandonar todo o programa de privatizações. No Paraná, a SANEPAR, empresa de saneamento que fora privatizada/doada no governo Lerner, também fez suas cagadas. O governador Requião teve uma dor de cabeça danada para recuperar a empresa. Mas, o importante dessa história toda é que não é verdade que o Estado brasileiro não tem recursos orçamentários para financiar o controle, o tratamento e a distribuição das águas do São Francisco para as populações e empresas da região. Não são necessárias as taxas. Existem no Orçamento federal inúmeros fundos de combate às desigualdades regionais que deveriam financiar os investimentos em infra-estrutura, qualificação de pessoal e muitas outras coisas. O dinheiro desses fundos deveriam servir para isso.
Hoje a estrutura de desenvolvimento regional no Brasil constitui-se de um Ministério da Integração Nacional, que supervisiona a operação da Agência para o Desenvolvimento do Nordeste (ADENE, substituto da antiga SUDENE, extinta em maio de 2001) e a Agência para o Desenvolvimento da Amazônia (ADA, antiga SUDAM), juntamente com os Fundos de Desenvolvimento do Nordeste e da Amazônia (FINOR e FINAN), o Departamento Nacional de Obras Contra a Seca (DNOCS) e a Companhia do Desenvolvimento do Vale do São Francisco (CODEVASF). Por seu turno, o Banco do Nordeste e o Banco da Amazônia, ambos ligados ao Ministério da Fazenda, administram mais dois fundos constitucionais referentes às suas áreas: o Fundo Constitucional do Nordeste (FNE), o Fundo Constitucional do Norte (FNA) além do Fundo Constitucional do Centro-Oeste (FNO). Por que a tal ANA quer que a população ribeirinha e as empresas do Velho Chico, que já pagam impostos e contribuições (40%) diversas para o Estado brasileiro,tenham que pagar taxas? Onde estão os recursos dos fundos constitucionais? Daqui a pouco vão querer que paguemos também o ar que respiramos.
Com a palavra, o ministro Geddel Vieira Lima...

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