sexta-feira, 20 de março de 2009

Adriano Benayon

A situação das reservas Raposa e Serra do Sol

No estado atual das coisas, caracterizado pela livre penetração do capital e dos interesses estrangeiros em todas as áreas da vida nacional, dominando inclusive a quase totalidade das empresas produtivas e da finança, tendem a ficar letra morta as ressalvas parcialmente acolhidas pelo Tribunal, as quais, em tese, restringiriam a abdicação de soberania sobre mais esse imenso território em faixa contínua.
Por exemplo, que significa falar de livre atuação das Forças Armadas se elas vêm sendo destituídas de poder, em conseqüência da eliminação das empresas nacionais produtoras de armamentos e da supressão, ano a ano, no orçamento federal, de verbas capazes de assegurar um mínimo de efetividade em confronto com as superequipadas forças de intervenção estrangeiras presentes nas chamadas Guianas?
Depois de espremida toda a retórica jurídica, o que resulta é o reconhecimento pelo STF da ideologia das potências hegemônicas, segundo a qual os indígenas constituem nações. Também da ideologia por imposição da qual são atribuídas a tribos díspares áreas imensas, a serem subtraídas de facto e, eventualmente, de jure, do território nacional.
Resumo: os três ditos poderes da República desrespeitam os princípios basilares da Constituição. Com efeito, diz o Art. 1º da CF:

“A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado democrático de direito e tem como fundamentos:

I - a soberania;
II - a cidadania.”

De uma vez, só em um artigo, são pisoteados três princípios fundamentais: 1) a união com os estados e municípios, pois se está reduzindo a quase nada o Estado de Roraima, e se o está inviabilizando; 2) a soberania, pois esta não admite a cessão de território nacional, sem falar que se trata de território dotado dos minerais estratégicos mais valiosos que se possa imaginar; 3) a cidadania, pois estão sendo cassados os direitos de cidadania dos brasileiros a serem expulsos de seus assentamentos e atividades produtivas, inclusive dos de origem indígena, muitos dos quais, se não a maioria, não desejam a seja o território extirpado do País.

Também o Art. 3º: “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:


I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II - garantir o desenvolvimento nacional;
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça,
sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Mais uma quantidade de princípios constitucionais espezinhados:
1) justiça e solidariedade, expulsando gente das terras que cultiva, há muito tempo, de forma legal;
2) desenvolvimento nacional, abandonando subsolo riquíssimo em materiais absolutamente indispensáveis ao desenvolvimento industrial;
3) redução de desigualdades sociais e regionais, exterminando empregos produtivos e inviabilizando a economia de uma região;
4) condenação da discriminação por raça ou origem, negando direitos dos ditos não-índios, dentre os quais há inclusive numerosos índios que, integrados à comunidade nacional, não querem sair do território, nem que este seja abandonado pelos não-índios a que estão associados até por laços familiares.

Os três poderes da República estão fazendo da Constituição, como dizia Hitler, nada mais que um pedaço de papel, que se pode rasgar à vontade. A Constituição de 1988, de resto, já foi promulgada com grandes negações da soberania nacional, como a de priorizar o serviço indevido da dívida pública, por meio de um dispositivo introduzido sem apreciação e fraudulentamente. Além de muita outra coisa. Depois, foi grandemente deteriorada, principalmente nos anos 90, em favor de interesses financeiros e estrangeiros, inclusive com a supressão do Capítulo referente à Ordem Econômica.
Mas ainda não foram expungidos, eliminados, do texto constitucional os princípios fundamentais, agora mais uma vez ignorados pelo STF. De qualquer forma, ainda que tivessem sido formalmente revogados na Constituição, eles estariam de pé, pois são supraconstitucionais. Estão acima da Constituição escrita.
Em suma, os ditos três poderes da República estão na ilegalidade. Não há instituições políticas nem jurídicas no País. Há um vazio institucional que ou é ocupado pela sociedade brasileira, ou não o sendo, implica estar esta renunciando ao supremo direito de se organizar juridicamente constituindo-se em nação e Estado.

*Adriano Benayon do Amaral é diplomata de carreira, Consultor Legislativo da Câmara dos Deputados e, depois, do Senado Federal, na Área de Economia, aprovado em 1º lugar em ambos concursos. Doutor em Economia pela Universidade de Hamburgo e Advogado, OAB-DF nº 10.613, formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Foi Professor da Universidade de Brasília e do Instituto Rio Branco, do Ministério das Relações Exteriores. Autor de “Globalização versus Desenvolvimento”.

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