sexta-feira, 27 de março de 2009

Para Lula ler, refletir e aprender porque Obama manterá o protecionismo, principamente em tempos de crise.

A história secreta da moeda norte-americana: o duplo padrão quanto às regras internacionais
Por Ha-Joon Chang


Como é habitual em períodos de eleições presidenciais nos EUA, o debate que opõe os temas acerca do comércio livre e do protecionismo aumenta de tom com a aproximação do próximo processo eleitoral — desta vez com a aparência de debate sobre "outsourcing". Tal como no passado, a maioria dos economistas nos EUA está de acordo em que o comércio livre é o "caminho recto e estreito" que todos nós devemos adotar, apesar dos apelos ao protecionismo. Curiosamente, poucos destes economistas parecem perceber que os EUA, atualmente, não são o paraíso do comércio livre que fingem ser. No século XIX, quando a maioria das indústrias dos EUA tinha um nível de desenvolvimento inferior ao das suas contrapartes européias, o país dava como certo que o comércio livre não era do interesse nacional. Isto torna-se evidente ao analisar as notas americanas que têm representadas as efígies de políticos cujas práticas teriam hoje sido severamente criticadas pelo Banco Mundial e pela OMC. Na nota de um dólar encontra-se o primeiro presidente, George Washington. Ele optou por usar fatos de fabrico americano, em lugar dos fatos britânicos de melhor qualidade, durante a sua cerimônia de posse — uma potencial violação das regras propostas pela OMC no sentido da transparência das aquisições governamentais. Nas já raramente encontradas notas de dois dólares temos Thomas Jefferson que se opôs fortemente ao regime de proteção de patentes. Ele defendia que as idéias são "como o ar" e por isso não deveriam ser posse de ninguém. Durante os cerca de cem anos anteriores à Segunda Guerra Mundial, a economia dos EUA era, em todo o mundo, a mais fortemente protegida. Na realidade, Abraham Lincoln, um protecionista bem conhecido, e cuja efígie aparece na nota de cinco dólares, aumentou as tarifas após a guerra civil para um nível nunca, nem antes nem depois disso, visto nos EUA. Alexander Hamilton, o primeiro secretário do Tesouro, aparece na nota de dez dólares. Hamilton foi a pessoa que inventou a doutrina denominada "indústria nascente", a qual advogava que os países menos desenvolvidos precisam de proteger as suas indústrias contra a competição de países mais desenvolvidos. Apesar de Benjamin Franklin, na nota de cem dólares, não ter apoiado o argumento de indústria nascente de Hamilton, ele defendia que uma forte proteção seria uma medida efetiva contra o "dumping social" dos então países de baixos salários na Europa. Na nota de cinqüenta dólares temos Ulysses Grant, o herói da guerra civil que se tornou presidente. Desafiando a pressão britânica para a adoção do mercado livre, ele observou que "dentro de 200 anos, quando os EUA tiverem retirado do regime de proteção comercial tudo aquilo que este pode oferecer, então adotarão também o mercado livre". E chegamos a Andrew Jackson na nota de vinte dólares. À primeira vista, Jackson, defensor famoso de um governo reduzido, pode até parecer ajustar-se à doutrina ortodoxa da atual política econômica. Porém, ele não teve muito êxito na proteção dos direitos de propriedade. Afinal de contas, foi quem expulsou muitos dos nativos americanos das suas pátrias. Além disso era hostil aos investidores estrangeiros anulando o primeiro banco central de fato do país, o (segundo) Banco dos EUA, parcialmente com o argumento de que era majoritariamente possuído por investidores estrangeiros (principalmente britânicos). Assim, fazendo uma análise a partir da moeda americana, os mais venerados políticos da história dos EUA parecem ser precisamente aqueles que adotaram políticas que a atual corrente ortodoxa rejeita veementemente. No entanto, os americanos não têm um monopólio do duplo padrão, dado que virtualmente todos o países ricos — da Inglaterra de hoje até à Coréia e Taiwan — usam tarifas protetoras e subsidiadas para incentivar o seu próprio desenvolvimento industrial. Esses países também não promoveram a proteção dos direitos da propriedade intelectual, especialmente dos estrangeiros — a Suíça e os Países Baixos não possuíam legislação que regulasse as patentes até às primeiras décadas do século XX.

A partir do momento em que se tornaram ricos, estes países começaram a exigir aos países mais pobres a prática do comércio livre e a introdução de instituições "avançadas" como seja a aceitação de legislação para proteção de patentes. Friedrich List, o grande economista alemão do século XIX, comparou tal exigência à "retirada brusca da escada" pela qual os países ricos subiram até ao topo, negando assim aos países mais pobres a possibilidade de se desenvolverem. Depois da Segunda Guerra Mundial, graças às políticas decorrentes dos sentimentos de culpa pós colonial e da guerra-fria, não se verificou tão insistentemente a tal "retirada da escada". Porém, durante as passadas duas décadas, os países em desenvolvimento estiveram sob uma enorme pressão no sentido da aceitação do comércio livre, da abertura dos seus mercados de capitais, e da implementação das "melhores práticas" como seja a legislação sobre patentes. Os países ricos raramente reconhecem que fazendo essa pressão eles estão a pregar exatamente aquilo que não fizeram nas suas práticas. O resultado foi uma forte desaceleração do crescimento econômico dos países em desenvolvimento. O crescimento do rendimento per capita nos países em desenvolvimento foi reduzido à metade: dos 3% anuais durante o período compreendido entre as décadas de 60 e 80, para 1.5% durante o período de 80 a 2000. A esta luz, é necessária uma reavaliação radical das práticas ortodoxas atualmente em curso. Em termos práticos, isto significa o reescrever as regras do comércio internacional de modo a que os países possam adotar políticas e instituições mais favoráveis às suas condições. O registro dos últimos vinte anos sugere que isto pode dar aos países em desenvolvimento mais oportunidade para o o crescimento e o desenvolvimento.

[*] Da Universidade de Cambridge. Este artigo é baseado no livro Kicking Away the Ladder (Anthem Press, 2002, iv + 187, ISBN: 1-84-331027-9).

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