sexta-feira, 17 de abril de 2009

José paulo Kupfer


Depois do anúncio da redução da meta de superávit primário, em 2009, de 3,8% do PIB para 2,5% do PIB, o ministro Paulo Bernardo, do Planejamento, avisou que a revisão da meta era conjuntural e apenas refletia “o cenário de receitas menores e necessidade de aumento de algumas despesas”. O ministro, com todo o respeito, poderia ter economizado algumas palavras. É que, talvez por linhas tortas, o governo fez o que já deveria ter feito há tempos.
A fala desnecessária de Paulo Bernardo pode dar a entender que a redução da meta de superávit primário produziria impactos negativos horripilantes nas contas públicas e que a decisão seria apenas fruto de uma emergência. E que, lá na frente, ocorreria uma nova escalada da dívida pública, jogando no lixo o enorme esforço para controlar o endividamento do setor público – realizado, vamos ser honestos e aderentes aos fatos concretos, no governo Lula.
Não é nada disso. Ainda mais com a perspectiva de corte nas taxas de juros, a economia pode não crescer nada neste ano (e no próximo) e mesmo assim, com um superávit primário de 2,5% do PIB - e talvez de 2% do PIB - o déficit nominal (aquele que inclui a despesa com juros) e a relação dívida/PIB, o indicador mais adequado para medir o tamanho da dívida, continuarão recuando.
Segundo projeções conservadoras, o déficit nominal, em 2009, ficaria em torno de 1,5% do PIB e a dívida pública não passaria do equivalente a 35% do PIB, mantendo a trajetória de queda. Essa é uma situação melhor – melhor não, muito melhor – do que o limite aceito pela União Europeia que, pelo Tratado de Maastricht, definiu um teto de 3% do produto bruto para o déficit nominal e um volume de dívida pública de até 60% do produto bruto.
Nem por isso, a histeria fiscalista, vigente nas hostes do pensamento dominante entre nós, assentou o facho. Sua argumentação, descabelada, circula com desenvoltura, vocalizada pelos meios de comunicação, sem a menor cerimônia.
Um resumo dos pontos cansativamente martelados:
1) Nos Estados Unidos, Europa e Ásia podem aumentar gastos públicos, na aplicação de uma política fiscal anticíclica. Aqui, não. Não temos margem e nossa história pregressa, de calotes, troca de moeda, gastança compulsiva etc. e tal nos veda essa alternativa;
2) Gastamos muito e gastamos muito mal. O governo deveria cortar seus gastos de custeio, que aumentam muito acima do PIB e da inflação, para, com isso, poder aumentar os investimentos. O atual conforto das contas públicas é só aparente e logo mais estaremos de volta aos nossos velhos dramas e constrangimentos fiscais.
3) Tomada às vésperas da eleição de 2010 e incluindo o ano eleitoral, a liberação de recursos fiscais, às custas do Tesouro, é uma medida populista e eleitoreira.
Exceto uma parte da crítica à qualidade do gasto, é tudo uma óbvia bobagem, sem base na realidade, que se sustenta em mitos já derrubados pelos fatos. Uma tentativa de escamotear a verdadeira motivação dos ataques à “gastança”: a disputa pelos recursos públicos, aos quais os detentores do capital e seus porta-vozes se lançam com uma velhíssima voracidade e que recrudesce sempre que surgem ameaças de “desvios” de dinheiro público para destinos sociais.
A ponta-de-lança desses ataques é o gasto com a folha do funcionalismo público. A lógica do esquema é a seguinte: misturam uns tantos marajás e outros tantos apadrinhados com a massa de servidores honestos, de baixo salário, e adicionam na mistura, em seguida, os gastos de custeio em geral.
Escamoteiam, assim, que parte relevante dos “gastos de custeio” é aplicada em áreas essenciais, como saúde e educação, e em programas sociais, aí incluídos as transferências de renda e a previdência social. Exemplo: um aumento acima da inflação nos gastos com educação, como o ocorrido em 2008, por exemplo, algo mais do que desejável, entrará no balaião como “aumento descontrolado” de gastos correntes ou de custeio.
É sempre possível ser desonesto em qualquer debate sobre qualquer assunto, mas, no caso das contas públicas, essa constatação é ainda mais verdadeira. No campo das políticas fiscais, a nomenclatura específica se presta a todo tipo de manipulação. Depende da posição de quem observa, por exemplo, considerar um determinado custo como investimento – e vice-versa.
A retirada da Petrobras do cálculo das contas públicas serve de prova do que se afirmou acima. Nada obrigava manter empresas de economia mista e controle estatal no bolo das receitas e despesas primárias, exceto uma antiga imposição do FMI – e, OK, alguns requisitos de governança corporativa da própria empresa. Mas, a partir dessa imposição, de um tempo em que o hoje combalido gendarme das finanças internacionais recomendava aos países devedores, como o Brasil, uma arquitetura econômica totalmente devotada ao pagamento das dívidas, todos os investimentos da estatal, a partir dessa imposição, eram computados como despesas.
Nada mais do que uma canetada bastou para mudar o destino dos investimentos da Petrobras na contabilidade pública. Como num passe de mágica, os gastos públicos, em 2009, com a retirada da Petobras do cálculo e outros cortes, foram reduzidos em R$ 40 bilhões e surgiram, digamos, do nada R$ 40 bi de investimentos – equivalente a tudo que se arrecadaria em um ano com a CPMF.
As contas públicas brasileiras ainda estão assim de entulhos do FMI. Agora que somos até credores do FMI, não há mesmo motivo algum para não acabar com eles. Nada pode ser mais chique – e mais proveitoso para melhorar o nosso País.

* * *

Publiquei no blog, em 23 de março, um texto sobre os conceitos de contas públicas, em que a redução do superávit para 2,5% do PIB era apontada como possível e adequada. A conclusão do post era a de que já deveríamos ter abandonado, nas contas públicas, o conceito primário, substituindo-o pelo conceito nominal. Quem não leu ou quem quiser relembrar, é só clicar
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J P Kupfer

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