terça-feira, 19 de maio de 2009

Revista "Época"

A corrida pela vacina do A(H1N1)

A OMS autorizou a pesquisa de uma vacina contra a gripe suína. Mas ela pode chegar tarde demais

Peter Moon


Ainda não é hora de baixar a guarda. A gripe provocada pelo vírus A(H1N1) parece não ser a catástrofe que se temia há um mês, quando a Organização Mundial da Saúde (OMS) deu o alerta para uma nova e perigosa epidemia no México. O grande fantasma era a Gripe Espanhola de 1918, responsável pela morte de até 100 milhões de pessoas. Por ora, esse perigo está afastado. Mas não sumiu inteiramente. Até a sexta-feira, o vírus havia se espalhado para 34 países e infectado 7.500 pessoas, com 65 mortes. Foi um aumento de mil infectados em apenas 24 horas. “O vírus tem grande potencial pandêmico. Deverá dar a volta ao mundo nos próximos seis a nove meses e afetar um terço da população mundial”, diz Neil Ferguson, do Imperial College de Londres, que participa do comitê de emergência da OMS para a gripe suína.
Dados preliminares da epidemia levaram Ferguson a calcular o índice de letalidade do vírus num intervalo de 0,4% a 1,4% dos doentes, num estudo publicado pela revista Science. No pior cenário – que o vírus se fortaleça e atinja um terço da humanidade –, a ameaça é de 20 milhões de mortes. No melhor, ele provocaria só uma gripe fraca.
Daí vem a necessidade de cuidados urgentes. A gripe comum afeta 1 bilhão de pessoas ao ano e, mesmo com as campanhas de vacinação, mata cerca de 500 mil por ano, a maioria idosos e crianças pequenas. O vírus A(H1N1) tem potencial para ser bem mais danoso. Por isso, na sexta-feira a OMS recomendou que a indústria farmacêutica comece a pesquisar a vacina para gripe suína. Só há um problema: as fábricas não têm condições, hoje, de produzir a nova vacina e as vacinas usuais antigripe simultaneamente. Dada a natureza mutante dos vírus da gripe, dois tipos não podem ser manipulados ao mesmo tempo. Poderiam se recombinar, criando um vírus ainda pior. “Suspender a produção da vacina da gripe comum significaria deixar descoberta de imunização a população idosa e jovem do Hemisfério Norte no fim do ano”, diz Jarbas Barbosa da Silva Jr., gerente da Organização Pan-Americana de Saúde.
A solução que a OMS parece preferir é que algumas fábricas se dediquem à nova vacina. “Estamos apostando nas duas direções para garantir alguma segurança para a vacina da gripe comum e ao mesmo tempo dar início ao trabalho científico para a vacina da pandemia”, disse Margaret Chan, diretora-geral da OMS. Ela afirmou que a OMS vai emitir “em breve” uma recomendação sobre a melhor proporção de fabricação das duas vacinas. Esse “em breve” pode ser tarde demais. Se o processo começasse hoje, a imunização só começaria em novembro. O dilema é: parar (ou diminuir) a produção da vacina usual aumentaria o número de mortes; isso seria compensado pelas vidas salvas com a vacina pandêmica. Mas ninguém sabe quantas vidas estão de cada lado da equação. “A única coisa que se sabe com certeza dos vírus influenza é que eles são inteiramente imprevisíveis”, diz Chan.
A saída para esse dilema poderia ser tecnológica. Alguns laboratórios estão testando técnicas novas de produção de vacinas. Um deles, o Novartis, aposta numa fábrica capaz de fazer vacinas não com cultura de ovos de galinha, como é feito desde os anos 1950 (leia o quadro abaixo), mas diretamente em células. Isso aceleraria a produção. Porém, os riscos das novas técnicas ainda não foram devidamente avaliados pelas autoridades sanitárias. Um segundo laboratório americano tenta desenvolver vacinas em bactérias. Outra possibilidade é o uso de produtos químicos capazes de aumentar a eficácia da vacina, reduzindo a dose necessária para a imunização.
Se o A(H1N1) ganhar virulência, a pressão para aprovar a nova geração de vacinas será enorme. Os riscos também. Em 1976, ante os sinais de uma epidemia (que não se confirmou), os Estados Unidos autorizaram às pressas uma vacina, aplicada em 40 milhões de americanos. Ela matou 25 pessoas – mais que o vírus. O governo Lula enfrenta o mesmo desafio. No Instituto Butantan, em São Paulo, há uma fábrica de vacinas de gripe nova, em fase de certificação pela OMS. Numa urgência, poderia iniciar a produção de 60 milhões de doses da gripe suína em setembro, diz o presidente da Fundação Butantan, Isaías Raw.
Trata-se de uma corrida contra o A(H1N1). Enquanto não houver condições de imunizar a população, há pelo menos um tratamento que se mostrou eficaz para a gripe suína: o antiviral Tamiflu. Dada a situação de emergência, a OMS autorizou a venda do genérico oseltamivir, o princípio ativo do Tamiflu. Ainda pode ser insuficiente, se o vírus recrudescer. “A capacidade global de fabricação não é suficiente para produzir medicamentos antivirais nem vacinas pandêmicas para toda a população mundial”, diz Chan, da OMS. É possível que o A(H1N1) abrande e deixe de ser uma ameaça. Sua aparição terá servido para nos deixar mais preparados para o próximo vírus.
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