sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Nova República: 25 Anos

José Sarney foi eleito vice-presidente na chapa de Tancredo Neves, que morreu sem chegar a assumir o cargo

Foto: Marina Mello/Terra

Marina Mello
Direto de Brasília

Em 15 de janeiro de 1985, o Brasil saía da ditadura e elegia Tancredo de Almeida Neves como presidente. Seria o primeiro governo civil após o Golpe Militar de 1964, mas o mineiro de São João Del Rey não chegou a ocupar o cargo. Tancredo adoeceu na véspera da posse e morreu no dia 21 de abril daquele ano. Em seu lugar, assumiu José Sarney, hoje no PMDB e atual presidente do Senado. No dia em que a volta da democracia completa 25 anos, Sarney concedeu uma entrevista exclusiva ao Terra para falar da importância do período. Em conversa com a reportagem, o presidente do Senado disse que Tancredo tinha mais poderes políticos do que ele, naquela época. "O Tancredo era o homem que a história tinha preparado para aquele momento". Confira abaixo os principais trechos da entrevista:

Terra - É verdade que o senhor foi armado àquela famosa reunião do PDS (partido de Sarney à época) que consagrou a dissidência à candidatura de Paulo Maluf (que também era do PDS)?

José Sarney - Essa reunião do PDS foi bastante anunciada nos jornais e determinados adeptos do deputado Paulo Maluf ameaçaram que iam tumultuar a reunião, disseram até que iam tirar o presidente a tapas. Realmente eu fui armado e disposto a que se viabilizasse a reunião, cujo objetivo era marcar as prévias para a escolha de um candidato do partido.

Terra - Dá para imaginar o que teria sido o Brasil se as eleições ti vessem sido diretas naquela época?

Sarney - Acho que 85 é uma data das mais importantes da história do Brasil, porque nós superamos 20 anos de um período autoritário dentro de um processo de construção que, em geral, não nos causou nenhum trauma. Fomos a mais bem sucedida transição democrática do mundo porque nós elegemos democraticamente o senador Tancredo, o País não atravessou nenhum problema. O importante é que nós conseguimos, já temos mais de 20 anos de democracia, estamos há 25 anos sem problema algum e consolidando cada vez mais uma sociedade democrática. Não somente nós restauramos as instituições democráticas como criamos uma sociedade democrática, porque evidentemente a política do Brasil até aquele tempo era elitista. Falo isso em relação a todos os partidos, até as esquerdas eram elitistas porque elas não tinham base de massa e não tinham sustentação e os partidos políticos também não tinham profundidade de apoio em segmentos sociais, nem representatividade para falar em nome de determinados segmentos. Com 85, nós criamos uma sociedade democrática, com amplo espectro de participação do povo em todas as decisões do país. Fizemos eleições todos os anos, de 85 a 90, num regime da mais absoluta liberdade. Até então o Brasil só pensava em resolver problemas econômicos. A partir de então, lançamos a necessidade de resolver os problemas sociais, tanto que o slogan do governo era "tudo pelo social".

Terra - A eleição do senhor e de Tancredo Neves, assim como o seu governo, são reconhecidos como o final de uma longa transição negociada da ditadura para a democracia. O que o senhor acha da iniciativa do Programa Nacional de Direitos Humanos de finalmente investigar os abusos que não podiam ser investigados na época?

Sarney - Devo lembrar que o tratado que existe no mundo contra a tortura e contra penas degradantes, que se chama Tratado de São José, foi assinado por mim como presidente da república. A partir deste instante, o Brasil se comprometeu internacionalmente com a defesa dos direitos humanos e não houve até hoje nenhuma acusação de violação, a não ser a violação de caráter do Estado. Evidentemente, as violações de direitos humanos particulares de uma sociedade conflitiva e violenta como a nossa continuam a existir e é uma coisa lamentável, uma vergonha para todos nós, como aquele fato do Carandirú, do assassinato de presos daquela maneira. Acho que nós não podemos corrigir a história, ela já existe. Os erros que foram cometidos já foram cometidos. Já temos mais de 40 anos de passagem destes episódios todos e, evidentemente, o Brasil adotou a fórmula de ação da anistia, já que não podia anular as violências que foram feitas e assegurar direitos às pessoas que sofreram. Acho que é uma página da história que deve ser virada. Eu participei da negociação da anistia, ela foi negociada entre todas as partes e foi consensual. Anistia é esquecimento, desde o princípio do mundo que ela tem esta concepção.

Terra - O Sr. não concorda, então, que sejam investigados os abusos cometidos no período?

Sarney - Não é que não concordo. Acho que, no momento em que se está no mundo inteiro 'escaneando' os corpos das pessoas (em aeroportos), quer maior violação dos direitos humanos do que esta? Nós estamos discutindo aqui o sexo dos anjos, se nós vamos condenar Dom Pedro I porque ele mandou enforcar o Frei Caneca.

Terra - O que o senhor acha que teria ocorrido se Maluf fosse eleito?

Sarney - Acho que nossa participação foi importante. O próprio Tancredo dizia isso, que sem a nossa participação teria sido impossível (o fim da ditadura). A nossa visão era de que a eleição de Maluf não tinha naquele tempo sustentação na sociedade de nenhuma maneira, o que poderia criar uma situação irreversível de conflito social no País.

Terra - E se o presidente tivesse sido Tancredo Neves em vez do senhor?

Sarney - Acho que o Tancredo tinha muito mais poder político do que eu tinha. Eu era o vice-presidente e o Tancredo era o homem que a história tinha preparado para aquele momento. De maneira que foi uma tragédia o que o Brasil viveu, e eu fui uma das vítimas, porque tive que sustentar a transição sem ter a mesma sustentabilidade política que ele tinha. Foi uma pressão muito grande.

Terra - Havia alguma preocupação de negociar com o candidato governista (Maluf) durante a campanha para evitar a radicalização e, assim, preservar a democracia?

Sarney - Não, nós nunca tivemos nenhum contato com o Paulo Maluf, eu nunca falei com ele. Agora, nós tomamos todas as vacinas necessárias para que tivéssemos uma transição garantida. Conversamos muito com as Forças Armadas e ampliamos bastante o nosso leque de sustentação para que realmente a eleição e a posse de Tancredo ocorressem.

Terra - Quando houve a certeza de que vocês venceriam a eleição?

Sarney - Quando eu renunciei à presidência do PDS e quando essa dissidência foi consolidada, assegurando a maioria do colégio eleitoral.

Terra - O senhor vê algum erro cometido naquele momento que não cometeria hoje?

Sarney - Acho que realmente eu devia ter constituído uma base política mais sólida, com apoio de todos os partidos para a sustentação do governo. Não fiz isso porque fui ocupar o lugar que era do Tancredo e, portanto, eu tinha que realmente ser fiel ao PMDB e isso naturalmente prejudicou a eleição, porque nós fizemos 23 governadores e perdemos a eleição de presidente.

Terra - O senhor aceitaria participar de uma eleição indireta hoje em dia?

Sarney - Eu hoje em dia não aceito participar mais de eleição alguma. A última que participei me dei muito mal, foi a daqui da presidência (do Senado). Já não tenho mais idade para participar de eleição.

Terra - Quando o senhor assumiu a presidência no lugar de Tancredo, disse uma frase que ficou famosa: "serei maior do que eu mesmo". Acha que conseguiu?

Sarney - É claro, porque eu consegui que o País passasse a ter eleições todos os anos, fizesse a transição democrática, consolidasse a democracia que existe até hoje. Todo o País reconhece a contribuição que eu dei naquele momento. Sem condição alguma, eu tive que construir estas condições para poder exercer este processo. Isso realmente é uma contribuição importante que eu dei para o País. A liberdade e a democracia de que o Brasil goza hoje têm um pouco da minha contribuição.

Redação Terra


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