quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

O canto das sereias fracassadas II

Por Carlos Lopes (Continuação da edição anterior)

Não é somente pela remessa de lucros que a entrada em massa de “investimento direto estrangeiro” (IDE) espolia o país e estrangula suas contas externas. É também pelo aumento das importações em relação às exportações

No final de janeiro, um levantamento da LCA Consultores revelou que “o volume de importações entre junho e dezembro de 2009 cresceu 10,5%”, portanto, acima do aumento da produção industrial interna no mesmo período. Um economista da LCA declarou: “A indústria nacional vai perder um pouco mais de espaço para os produtos importados no mercado interno em 2010”. Parecia ecoar o sr. Mendonça de Barros, que saiu da tumba para comemorar uma pesquisa americana, segundo a qual, entre os BRICs, o Brasil era o país com maior estoque de “investimento direto estrangeiro” (IDE) em relação ao PIB. “Não dá para querer ter tudo”, disse Mendonça, “nós vamos perder um pedaço da indústria. É preciso adensar as cadeias onde a gente tem vantagem comparativamente aos outros competidores”. Como se sabe, entre as vantagens comparativas do nosso país está a imensa produção de capim.
O levantamento da LCA - não fosse ela a Luciano Coutinho e Associados – era coisa mais séria. Mostrava que em alguns setores a situação é crítica, pois está aumentando, no mercado interno, a parcela importada, que já era grande, em material eletrônico, aparelhos e equipamentos óticos, de comunicações, de informática, de instrumentação médico-hospitalar e máquinas para escritório. Uma consulta aos dados da Secretaria de Comércio Exterior (SECEX) esclarece quem são, em todos esses casos e mais alguns, os principais, às vezes únicos, importadores desses produtos, classificados como de “alta ou média-alta tecnologia”: as próprias filiais de multinacionais instaladas no país.
Somente os setores que listamos na tabela 3, todos com predomínio das multinacionais, provocaram, de 2003 a 2008, um déficit comercial de US$ 124,3 bilhões – exportaram US$ 204,2 bilhões, mas importaram US$ 328,5 bilhões. Lembremos que todo o saldo comercial brasileiro no mesmo período foi US$ 214,5 bilhões – e à custa de grandes esforços, tanto do povo como do governo. Em resumo, para obter esse saldo tivemos que cobrir o déficit das multinacionais – com exceção da indústria automobilística, não houve contribuição desses setores ao saldo comercial, pelo contrário. Mesmo a indústria automobilística, importou 55,8% do que exportou.
Não é somente pela remessa de lucros, portanto, que a entrada em massa de “investimento direto estrangeiro” (IDE) espolia o país e estrangula suas contas externas. É também pelo aumento das importações em relação às exportações.

A ESCALADA

O problema tornou-se crítico desde que o governo Fernando Henrique, através de um verdadeiro dumping cambial para favorecer as mercadorias externas, aumentou, em um único ano (1995), as importações em 50,5% (cf. Secex/MDIC, “Evolução do Comércio Exterior Brasileiro - 1950 a 2008”, mar./2009; e BCB, “Balanço de Pagamentos 1947-2009”, jan./2010).
No entanto, em 2009 as importações caíram US$ 45,5 bilhões - e mesmo assim ocuparam mais espaço dentro do país do que no ano anterior - com a previsão, bastante realística, de que continuem a aumentar esse espaço em 2010, no momento em que nossas contas externas já acumulam um déficit de US$ 52,5 bilhões nas transações correntes dos últimos dois anos.
Às vezes, lendo as notícias sobre o assunto, tem-se a impressão de que essas importações caem do céu como a chuva. Como se elas não tivessem direta relação com a entrada de IDE – e, portanto, com o aumento do seu estoque, de US$ 47,9 bilhões em 1995 para US$ 122,2 bilhões em 2000, e, depois, para US$ 220,6 bilhões em 2006, US$ 309,7 bilhões em 2007, com uma queda, graças à crise, para US$ 287,7 bilhões em 2008 (ainda não há dados para 2009).
Investimento Direto Estrangeiro é compra de empresas brasileiras, desnacionalização da economia. Ao mesmo tempo que o IDE caía sobre o país como uma tromba d’água, as importações passavam de US$ 49,8 bilhões em 1995 para US$ 62,8 bilhões em 2004 e US$ 173,2 bilhões em 2008. Aumento do peso do IDE (isto é, das multinacionais) na economia quer dizer não apenas maiores remessas para o exterior, como, também, maiores importações.

QUI PRODEST?

A principal explicação fornecida para esse frenesi de importações é o câmbio, o real hipervalorizado em relação ao dólar. Até onde temos conhecimento (evidentemente), apenas o professor Fernando Sarti, da Unicamp, referiu-se ao problema das multinacionais. No entanto, elas são, realmente, um problema.
O câmbio será o tema do terceiro (e, esperamos, o último) artigo desta série. Por agora, cabe perguntar a quem aproveita o crime. Que o real hipervalorizado barateia as importações e encarece as exportações, até o sr. Meirelles concorda – e acha isso ótimo, pois essa hipervalorização, como veremos na próxima edição, faz tanto parte de sua política de “metas da inflação” quanto os juros altos.
A questão, portanto, é a quem beneficia, a que interesses serve, a hipervalorização do real - além dos réus mais evidentes: bancos, sobretudo estrangeiros, e alguns pistoleiros da especulação.
A hipervalorização do real beneficia a quem quer importar (ou exportar para cá, o que, na maioria dos casos, mas nem sempre, são os mesmos). Isto é, beneficia, sobretudo, principalmente, e antes de qualquer coisa, às multinacionais. Esta é a razão pela qual substituir as importações pela suposta produção interna das filiais de multinacionais é algo que beira o bestialógico, pois uma das razões – cada vez mais importantes, devido à crise – das multinacionais para instalarem filiais em outros países, é, exatamente, a de fazê-las importar mercadorias da matriz e até de outras filiais.
A própria Receita Federal revela, por exemplo: “examinando-se o comércio intrafirma de quatro dos sete maiores setores importadores, verificou-se que a filial brasileira de empresa multinacional que foi a maior importadora do setor [de] fabricação de produtos químicos - efetuou 63,53% de suas compras externas da matriz (….). A maior importadora do setor [de] fabricação e montagem de veículos realizou 98,12% das importações da sua matriz”. A Receita constatou, em 2001, que dos US$ 564,2 milhões em importações da maior montadora automobilística, nada menos do que US$ 553,5 milhões foram importações da matriz e US$ 5 milhões foram importações de outra filial.
Trata-se de algo absolutamente conhecido. Até um anão de jardim do IDE e do importacionismo, o sr. Gustavo Franco, diz, maravilhado, que entre 1995 e 2000 as importações intrafirma cresceram 114%, passando de “44% para 57,8% das importações das empresas [registradas pelo Censo de Capitais Estrangeiros]” (ver o “paper” de Franco para a revista Política Internacional, “Investimento direto estrangeiro (IDE) no Brasil 1995-2004: ‘passivo externo’ ou ‘ativo estratégico’?”, abr./2005).
Sucintamente: não existe substituição de importações baseada nas filiais de empresas estrangeiras. Não é solução alguma elas passarem a fabricar aqui o que antes exportavam para cá, pois as importações sempre aumentarão, mesmo que elas montem o produto (é o máximo que fazem) aqui dentro. As filiais de multinacionais são sempre dependentes de importação – às vezes dependentes da importação do próprio produto final, que, aqui, no máximo recebe um verniz.

ESTUDOS

Vejamos a tabela 1 desta página. Os dados foram extraídos (ou concluídos a partir) de “Desempenho Comercial das Empresas Estrangeiras no Brasil na Década de 90”, de Fernanda De Negri, um estudo de 53.860 empresas (isto é, praticamente todas as empresas industriais - 51.622 nacionais e 2.238 estrangeiras - existentes entre 1996 e 2000), levando-se em conta as mudanças de propriedade, assim como o desaparecimento ou permanência dos empreendimentos a cada ano.
Pelos números, vemos que as empresas estrangeiras, de 1997 a 2000, exportaram US$ 92 bilhões, portanto, quase US$ 18 bilhões a mais do que as empresas nacionais, que exportaram US$ 74,3 bilhões.

Leia o estudo completo do Carlos Lopes...

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