quarta-feira, 14 de abril de 2010

Presidente do BNDES propõe monopólio privado da "Oi" sobre Plano Nacional de Banda Larga

Com uma dívida atual de R$ 22,429 bilhões, prejuízo da tele foi de R$ 436 milhões em 2009

Após meses de extensas discussões sobre o Plano Nacional de Banda Larga (PNBL), na reunião de quinta-feira passada, com o presidente Lula, ministros, demais responsáveis pelo plano e outros membros do governo, o sr. Luciano Coutinho, presidente do BNDES, defendeu que a Oi seja a sua gestora. Segundo participantes da reunião, Coutinho disse que “é mais fácil” a Oi administrar o PNBL, e os 31 mil km de fibras óticas do Estado, do que a Telebrás, elogiando o “plano de expansão” da empresa e ressaltando que o BNDES e os fundos de pensão têm “49% das ações”.

É algo constrangedor ver o sr. Coutinho lançando esses 49% como se fosse uma isca para os demais membros do governo. Se a credencial da Oi para gerir o PNBL é a participação que o Estado tem nela, muito melhor é a Telebrás. Até porque o sr. Coutinho sabe que, na Oi, o BNDES e os fundos de pensão das estatais, com 49,82% das ações, estão apenas sustentando quem realmente manda na empresa: a Andrade Gutierrez e o Grupo Jereissati, ambos com apenas 19,34% das ações. Coutinho sabe disso porque esta é, exatamente, a sua política acionária - seja na Oi, seja na ex-Aracruz Celulose, seja na Eletropaulo.

Mas voltemos ao PNBL. O Plano Nacional de Banda Larga é uma discussão séria. Com exceção da nova lei do petróleo para o pré-sal, não há projeto que, para o Brasil, lhe seja comparável do ponto de vista estratégico. Nele está em jogo o nosso desenvolvimento, os interesses nacionais e o futuro do país. Portanto, é uma discussão que só pode ser feita por gente séria - e o mínimo que se pode dizer da proposta de Coutinho é que não é séria.

Primeiro, onde é que já se viu entregar, assim sem mais nem menos, o patrimônio público (isto é, os 16 mil km de fibras ópticas que antes estavam com a Eletronet e mais os 15 mil km das empresas elétricas e da Petrobrás) a um monopólio privado, sem guardar nem mesmo o pudor das aparências? Somente Serra, em São Paulo, fez algo semelhante – sobretudo em hospitais.

Mas o sr. Coutinho é um sacerdote da estranha religião de que, através de “fusões” e do dinheiro público, devemos cevar monopólios privados no país, “multinacionais” brasileiras, “global players”, ou lá que nome tenham - sempre às custas dos cofres do BNDES, isto é, do dinheiro da população, para espoliar a própria população, e, se possível, também a população de outros países. Daí a entregar um patrimônio público a um monopólio privado sem mais rebuços, não chega a ser nem um passo inteiro. Não é que o achemos pior do que os privatizadores de Fernando Henrique: a questão é que com esse raciocínio, com tais premissas, com esse pensamento, inevitavelmente chega-se lá por algum caminho.

Do ponto de vista econômico, trata-se de uma espécie de santo-daime. Falamos em religião, mas é preciso acrescentar que se trata de uma dessas para a qual a realidade é o que menos importa. Para concentrar ainda mais a renda, não existe coisa melhor do que criar monopólios privados com o carbureto do dinheiro público. Para desnacionalizar, também – o sr. Coutinho, aliás, antes do BNDES, foi o grande promotor da fusão Antárctica-Brahma, que acabou na Bélgica e hoje passeia pelos EUA. Mas o sr. Coutinho acha que a única estrada para desenvolver o país é copiar a realidade norte-americana do final do século XIX. Como o Brasil tem menos a ver com isso do que o Rockefeller tinha a ver com Delmiro Gouveia, força-se a situação com carradas de dinheiro público – dinheiro que falta exatamente onde é mais necessário ao desenvolvimento: para as empresas nacionais não-monopolistas e para as estatais.

A própria Oi é um milagre dessa teologia. A Telebrás - como lembrou o secretário de Logística e Tecnologia da Informação do Ministério do Planejamento, Rogério Santanna - tem uma provisão de R$ 200 milhões e gasta R$ 1 milhão por ano com dívidas. Mas o sr. Coutinho quer, no PNBL, a Oi, que depois da fusão com a BrT é uma empresa falida, com uma dívida de R$ 29 bilhões (dívida líquida atual: R$ 22 bilhões e 429 milhões) e um prejuízo de R$ 436 milhões em 2009, apesar de sua receita, no mesmo ano, ter sido de R$ 45 bilhões e 708 milhões (cf. “Oi - Desempenho Econômico Financeiro 2009”).

A Oi sobrevive de transfusões do BNDES, empréstimos para pagar empréstimos. Mas o sr. Coutinho quer confiar à Oi a rede de fibras ópticas do governo e o Plano Nacional de Banda Larga. Certamente para enterrar mais dinheiro público nela. Ora, direis, a realidade – mero ator que cambaleia e sai de cena, diante da teoria do sr. Coutinho...

O governo teve que elaborar o PNBL exatamente porque os monopólios privados a que Fernando Henrique entregou as telecomunicações no país – isto é, Telefónica, Oi e Embratel/Telmex – levaram o país a uma crise no setor, a um estrangulamento, especialmente no que se refere à banda larga, que se manifesta através de apagões intermitentes, tarifas extorsivas, concentração nas faixas de maior renda e velocidades de carroça de boi, mesmo quando o usuário paga por um avião a jato.

O sr. Coutinho sabe de tudo isso – e, se não sabe, deveria saber. Também já deve ter proferido dezenas, centenas, talvez milhares de aulas, explicando aos seus alunos a elementar questão de que a lógica do monopólio é extrair o máximo de lucro com o máximo de preço, portanto, nada tem a ver com universalização, mas com concentração e exclusão social. No entanto, quer que a universalização da banda larga seja feita por um monopólio privado que em 12 anos não conseguiu universalizar nem a telefonia fixa na sua área.

CARLOS LOPES (Hora do Povo)

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