sexta-feira, 27 de agosto de 2010

José Sarney

Pesquisas que falam

É de autor maldito, o ditador Franco, a afirmação de que, como fazia pesquisa, sabia que o povo estava a seu lado e não ia gastar dinheiro em fazer eleição. Ele identificou prematuramente, embora de maneira equivocada e maléfica, um dos instrumentos que mais marcam as democracias modernas: as pesquisas eleitorais. Quem está no governo e lê os resultados — aprova e desaprova, bom, ruim e péssimo — sente calafrios. Elas servem como atestado de legitimidade. Cada vez mais sofisticadas, são capazes de detectar as diversas camadas da alma popular ou, como dizem alguns institutos, a temperatura da opinião pública. Aplica-se também ao povo um medidor da atmosfera da Terra: um barômetro. Não é por acaso que um dos braços do PNUD para tomar o pulso de nosso continente se chama Barômetro Latino Americano. Assim, não há como desconhecer a influência das pesquisas e a hipocrisia do chavão dos atingidos pelos índices baixos: “pesquisa é o retrato de um momento, não tem votos”. Mas são elas que estão na mesa dos candidatos e na preocupação dos marqueteiros quando fazem os programas eleitorais. Ao jogar os seus “produtos” no ar, todos correm para os “grupos de análise”, as “qualitativas”, para saber sua opinião, o que colou, o que não teve efeito e o que não agradou. E esses grupos, para serem formados, são precedidos de outras pesquisas, que definem idade, nível de educação, nível de envolvimento, eleitor isento, engajado, contra. O resultado do conjunto das pesquisas orienta as manipulações: hora de bater, de informar, de distorcer, de exaltar, de alegrar, hora da razão, da emoção. Para isso, haja dinheiro para contratar e manter em funcionamento a equipe das melhores inteligências, dos mais capazes, os equipamentos de última geração, operadores, analistas, pesquisadores, sociólogos, politicólogos, jornalistas, redatores, maquiadores, diretores — e, por trás de tudo, a turma do dossiê, “da maldade”, que, conjugada com os jornalistas de investigação, vivem à cata do fato sujo, do escândalo, do provérbio da politicagem “onde não tem rabo a gente põe”. Desapareceram os cabos eleitorais, as eleições a cacete do Império, e nasceu a eleição eletrônica que matou o comício, os partidos, os candidatos e até os eleitores. Não há justiça eleitoral, nem tutela legal, nem centurião do Ministério Público, nem “007” da PF para evitar esse caminho, que só se reverterá quando vier um novo sistema, com democracia direta ou o amadurecimento da humanidade, capaz de exercer em sua plenitude a liberdade, onde tudo será permitido, até o direito de cada um escolher, decidir e julgar conforme sua consciência.

José Sarney
foi governador, deputado e senador pelo Maranhão, presidente da República, senador do Amapá por três mandatos consecutivos, presidente do Senado Federal por três vezes. Tudo isso, sempre eleito. São 55 anos de vida pública. É também acadêmico da Academia Brasileira de Letras (desde 1981) e da Academia das Ciências de Lisboa

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