segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Pedro Tomaz de Oliveira Neto

Testemunhas do nada

Essa aconteceu em Conceição do Araguaia, sul do Pará, em um ano de eleição quase geral, menos para prefeito e vereador. A cidade estava em festa para receber o governador do estado e um ministro de estado do governo federal. Ambos iriam inaugurar a rede de eletrificação rural em benefício dos agricultores de toda a região e também assinar vários convênios de obras de saneamento, habitação e abertura de estradas.
A classe política do estado e de toda aquela região se fazia presente, meio polvorosa. Senadores, deputados federais e estaduais, prefeitos e vereadores, além de uma porção de candidatos a algum desses cargos, disputavam um espaço ao lado do governador e do ministro para aparecer na foto como políticos influentes e com muita intimidade com o poder.
Logo depois do descerramento da placa de inauguração da rede elétrica, todos se dirigiram para o local do comício. Era muita gente. Naquele solão de quase meio-dia, adultos, velhos e moços, e crianças se empurravam buscando mais proximidade do palanque improvisado num grande caminhão, também abarrotado de políticos, jornalistas, seguranças e muitos penetras. Quase não dava para ver o ministro e o governador.
Confusões à parte, o comício foi iniciado com a voz marcante e profissional de um locutor anunciando a assinatura dos convênios, ali mesmo no palanque. O ministro foi o primeiro a ser chamado para assinar os documentos e logo em seguida veio o governador. Depois foi a vez de alguns candidatos na condição de testemunhas — era uma forma de o governo prestigiar seus correligionários. Cada um que era chamado tinha que, rapidinho, abrir caminho para chegar lá na frente do palanque junto ao povão e, ufa!!!, apor a sua assinatura, como se ela fosse imprescindível para assegurar a implementação das obras conveniadas.
O calor era intenso e o ato se esticava demais com esse negócio de assinar convênios. O povo começava a dar sinais de impaciência e cansaço. Só que ainda tinham algumas testemunhas para assinar a papelada. Um deles era um tal de Zequinha, deputado estadual e candidato à reeleição, muito baixinho e com um enorme óculos no rosto. Ao ouvir o locutor lhe chamar, sintomaticamente, Zequinha acionou alguns fotógrafos posicionados lá no meio da platéia e também no palco, previamente contratados para registrar aquele solene momento, bem do lado de um ministro de estado e do governador. Queria mostrar ao povão que era forte, influente, a ponto de conseguir investimentos públicos em benefício de suas bases eleitorais.
Com muita esfrega e empurrões, finalmente o deputado chegou lá na frente. Estava afoito e suava muito. Ao receber a caneta do locutor do evento, olhou para o papel procurando o local da assinatura. Mas não achou. Virou-se para o locutor e perguntou: — Oi, onde é que eu assino? O locutor, muito preocupado com o alongamento do cerimonial, imediatamente respondeu: — Assina em qualquer canto. Você não vê que o documento está em branco? Assim, em meio a tantos cliques e flashes, Zequinha assinou em qualquer lugar do papel, olhando e sorrindo para a platéia. Depois sapecou um abraço no ministro e no governador para depois se jogar nos braços do seu povo.
Quanto aos convênios, eles só foram formalmente assinados dias depois. Não sei dizer se as obras previstas foram efetivamente realizadas. Nem todo mundo sabe, mas da tomada de uma decisão até a sua implementação existe uma enorme distância...
sua fundação.

Pedro Tomaz de Oliveira Neto é historiador e cientista político em Brasília

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