segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Entrevista: Presidente do Senado critica proposta de Serra para o novo valor do mínimo

Sarney fala sobre Sistema tributário, reforma política, redistribuição da riqueza e Senado Federal

Denise Rothenburg
Carolina Khodr

"Tem muitos estados que não podem dar esse salário (R$ 600). O que vai ocorrer é uma fuga para lá (SP)"

O presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), considera quem tem 85 anos uma criança. Pelo menos, foi isso que disse a uma tia que lhe telefonou quando atendia a reportagem do Correio. Aos 81 anos, ele tem traçado um plano para dedicar os próximos dois anos como presidente da Casa — seu último mandato, como ele mesmo disse no discurso de posse. Do alto da experiência de quem vive a política brasileira desde a década de 1950, ele avisa que está “determinado” a fazer a reforma política : “Só não sai se o Congresso não quiser”. Também não deixa de dar um “chega pra lá” no ex-governador de São Paulo José Serra em dois momentos: quando fala de propostas de redistribuição de receita para os estados e municípios e da votação do salário mínimo. “São Paulo pode dar um salário mínimo de R$ 600, e até mais. Mas tem muitos estados que não podem dar esse salário. O que ocorre com isso é que, se São Paulo dá, há uma fuga dos outros estados para lá. E daí ocorre a importação de mão de obra barata”, diz ele.

Leia a seguir trechos da entrevista concedida ao "Correio Braziliense":

Desde o governo do senhor fala-se em pacto federativo. Agora, a presidente Dilma voltou ao assunto. Por que o pacto federativo nunca foi feito no país?

A grande dificuldade de a Federação funcionar com uma ordenação entre os estados é justamente porque o país é muito grande e as realidades, diferentes. A primeira coisa que teria que fazer nessa área é realmente um sistema tributário no qual os estados pudessem encontrar um meio de conviver sem a guerra fiscal. E essa guerra foi feita pela desigualdade regional. Tenho muito medo de que no futuro esse problema da desigualdade possa causar a desintegração nacional.

O governo Lula não mudou essa realidade?

Mudou em nível de classes sociais. Ele fez um programa social que redistribuiu riqueza entre os mais pobres. Mas em nível de colocação de distribuição de renda entre regiões até hoje não houve. O Lula fez uma coisa muito inteligente, que foi deixar uma grande obra em cada região. São obras tópicas que, de qualquer maneira, causaram um hiato nesse sistema de desintegração que havia.

E como o senhor pensa em encaminhar o pacto federativo?

A primeira fase é votarmos uma reforma tributária, que deve ser feita passo a passo.

E qual o projeto mais importante dentro dessa reforma?

Seria o de distribuição de renda entre os estados, feito pela primeira vez pelo Juscelino, que criou a cota federal, e pelo presidente Castelo Branco. Naquela época (1967) não havia uma janela para se evitar o aumento da pobreza absoluta naquelas regiões. De lá para cá, nós tivemos algum movimento para distribuição entre os municípios. Ainda, no meu tempo, aumentamos a participação de 2%. O governo Lula criou esse fundo. O Fernando Henrique extinguiu o fundo especial destinado aos estados mais pobres. A Constituinte também extinguiu o imposto único sobre combustíveis líquidos, uma iniciativa de José Serra, sob alegação de que se consumia mais gasolina e derivados em São Paulo. A partir da extinção desse fundo, nosso sistema de estradas entrou em colapso, como permanece até hoje.

O senhor continua crítico do ex-candidato Serra?

Não estou fazendo críticas, mas lembranças históricas sobre a divisão do acesso de renda entre os estados.

Ele vem agora com uma proposta de salário mínimo de R$ 600. O senhor acha que ele está certo?

São Paulo pode dar um salário mínimo de R$ 600, e até mais. Mas tem muitos estados que não podem dar esse salário, e o que ocorre com isso é que, se São Paulo dá, há uma fuga dos outros estados para São Paulo. E daí ocorre a importação de mão de obra barata. Como na Europa se faz, levando os africanos, levando o povo dos países mais pobres porque é lá onde se tem recursos maiores. O principal desafio é a distribuição de renda entre os estados. A concentração de riqueza ainda está no Centro-Sul. Agora com com a grande descoberta de petróleo e gás na Bacia do Espírito Santo, no Rio e São Paulo. Pela distribuição dos royalties, a maior parte do ganho deve ficar concentrada nos estados ricos. Não acho justo se não fizermos uma distribuição que não atenda ao país inteiro.

E quanto à reforma política?

Primeiro responsabilizo a falta de reforma política à crise que a política brasileira vive estes anos todos e que viveu durante muitos anos. Nossa legislação eleitoral, por exemplo, remonta o século 19. Não há mais no mundo inteiro um país que use o voto uninominal proporcional, o que significa que esse voto é desintegrador dos partidos e sem partidos não há democracia. E um sistema eleitoral, baseado no voto distrital que leve a isso, ele realmente não serve ao país. O segundo ponto é o financiamento de campanhas. Terceiro é o problema da fidelidade partidária. Quarto, a escolha dos representantes. Porque quando se dá ao partido o direito de escolher representantes em votos que não sejam proporcionais, às vezes, majoritários, é necessário que se faça uma vacina contra a ditadura partidária.

O ex-presidente Itamar Franco disse que é contra a reeleição e vai propor o mandato de cinco anos. O senhor concorda?

Quando houve a proposta de reeleição, me manifestei contrário e também achei que o mandato de quatro anos era muito pequeno. Tínhamos que examinar o mandato de cinco ou seis anos e acabar com a reeleição.

Por falar em presidentes, tem três ex-presidentes da República nesta legislatura…

Isso fortifica o Senado. E é uma tradição brasileira. Se pudesse regredir no tempo, e o Brasil adotasse a fórmula usada para os ex-presidentes americanos, e eles não teriam outra função, senão aquela de, assistidos pelo Estado, exercer a função de ex-presidentes proibidos de voltar à vida política. Não voltamos por nossa vontade e sim pelo sistema brasileiro.

O senhor se arrepende de ter voltado?

Nem posso dizer que me arrependo porque não tive solução. O presidente Collor tinha assumido, e eles (os aliados) me convocaram para cá. Também no Maranhão, houve problemas. Não era o meu desejo.

E em relação ao Senado? Em seu mandato passado, o senhor começou a fazer uma reforma que não terminou, agora chegou cortando horas extras… Por que não se fez isso antes?

As horas extras já estavam cortadas. Não sabia que os diretores ainda tinham horas extras. Soube pela imprensa (NR: reportagem do Correio publicada em 31 de janeiro) e imediatamente cortamos. Hoje, há um portal de transparência no Senado, onde tudo o que acontece no Senado vocês, jornalistas, e qualquer outra pessoa, têm acesso. Não escondemos nada. Mas nas minhas presidências, sempre renovei. O povo brasileiro esquece, mas eu não esqueço: meus cinco anos de Presidência foram de transição democrática.

O senhor falou tanto do seu governo, e o PMDB? Essa imagem desgastada pelos pedidos de cargos…

O PMDB sempre foi uma federação. Dele, saíam todos os partidos, PSDB, o PT. Suas lideranças maiores desapareceram. Então, realmente o que ocorre (com o PMDB) é isso: um certa nostalgia das grandes lideranças, da luta contra o regime autoritário.

Mas a luta de cargos não faz estremecer a relação com o governo?

Não tenho participado dessa parte. Muitas vezes sou acusado, põem nas minhas costas indicações. Disseram que eu fiz o Flávio Decat. Estava com a presidente da República e o presidente da Câmara, e eu disse: “Olha, presidente, veja como eu sou mal julgado e como dizem que eu fiz o Flávio Decat, eu não tenho nenhuma relação com Flávio Decat, mas a senhora sabe quem fez o Flávio Decat”. E o presidente da Câmara perguntou: “Mas você não fez o Flávio Decat?”. Eu disse a ele “pergunte à presidente. É ela quem nomeia, ela que conhece o setor elétrico.” As coisas circulam de tal forma que até o presidente da Câmara achava que eu havia feito o Decat.

Mas o PMDB da Câmara também acreditou, veio a desconfiança…

É melhor dizer que fui eu do que dizer que foi uma crise entre o PMDB e a aliança com o governo.

Como é que o senhor vê essa relação PMDB-PT? Será sempre de crise?

No meu desejo, ela será uma relação que deve ser cada dia aplainada e os partidos devem procurar exercer a sintonia. Do PMDB defende a estabilidade.

O presidente Lula, no discurso que fez aqui esta semana, disse que o partido de massas é o PT…
O único partido ideológico capaz de mobilizar o sentimento dos trabalhadores era o PT. O PMDB deveria ter ocupado essa faixa. E o que ele fez? Ocupou a faixa de se dividir, e ficar só combatendo as pessoas, combatendo o Sarney e se dividindo. Enquanto isso, o PT saiu agregando.

E o histórico dos tucanos, que tiveram seus 8 anos de glória?

O PSDB surgiu de uma dissidência do PMDB de São Paulo e continua sendo um partido paulista. No nível nacional, como instrumento de registro de candidatos em eleições, Aécio Neves não teve chance. Sempre foi um estranho nesse ninho.

Se ele fosse pedir um conselho pro senhor, sobre o futuro, sair do PSDB, fundar um novo partido?

É difícil dizer ao Aécio, que é uma grande liderança, ao mesmo tempo, uma grande esperança nacional, dizer a ele o que ele deve fazer. Seria ingenuidade minha dar conselhos de como deve fazer.

Que avaliação o senhor faz destes primeiros 40 dias do governo Dilma?

A presidente Dilma está fazendo um bom governo. Continuidade, mas dando o seu toque pessoal. E ela vai, naturalmente, mais tarde, fazer um governo menos voltado à questão política e mais afeito às questões técnicas. Será um governo mais técnico.

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