terça-feira, 19 de abril de 2011

“Brasil opera as maiores taxas de juros do mundo”, constata Dilma





Já Mantega, em sua campanha para derrubar o crescimento, diz que o que está ruim está bom

Tudo sempre pode ser pior. Não há situação, por ruim que seja, que não possa dar lugar a outra ainda mais desagradável, ou mais desgraçada, ou mais difícil. Assim é na vida – e, naturalmente, na economia, que é parte da vida.

Mas nem por isso - porque as coisas podem, ou poderiam, ser ainda piores - é lícito passar aquilo que é ruim por bom, o que é retrocesso por avanço, o que é neoliberal por desenvolvimentista, o que é caduco por moderno, o que é reacionário como se fosse progressista.

Nós – isto é, o país – queremos avançar. O que ganhamos, então, ao pintar de rosa o que não é rosa, exceto, precisamente, colaborar para que a situação seja pior?

No entanto, o ministro Mantega - em sua campanha para manietar o crescimento, cortar gastos necessários à população, estiolar salários, reduzir o financiamento dos investimentos de empresas, e, de resto, contemplar inteiramente as hienas vorazes da especulação, sobretudo as externas - tem angariado alguns apoios devido a essa lógica ilógica, objetivamente muito perversa e subjetivamente muito infeliz para suas vítimas.

TESE

Compreende-se, a situação não é fácil – embora, desde o malfadado governo Fernando Henrique, nunca tenha sido melhor do que ao fim do governo Lula. O problema de Mantega é, sucintamente, o de retroceder, em vez de avançar, por medo ou por subserviência ideológica, o que talvez seja a mesma coisa.

Naturalmente, não são os porta-vozes dos monopólios financeiros que sustentam a esdrúxula tese de que é preciso apoiar Mantega para que não venha coisa pior (por exemplo, o Palocci...). Para eles, quanto pior para o país e o povo, melhor.

Mas eles estão satisfeitos com Mantega. Apenas, esses porta-vozes não precisaram ser espertos para descobrir, há muito, que o melhor método para Mantega fazer o que eles (ou seus patrões) querem é a chibata – ou, melhor, a mera ameaça da chibata, com um ou outro cascudo de vez em quando.

Não poderiam chegar à conclusão diferente quando, já há oito anos, o então ministro do Planejamento declarou, sobre a “autonomia” do BC:

“Havendo autonomia há uma perda de comando, uma diminuição do grau de ingerência do Executivo sobre o Banco Central e, portanto, sobre a política monetária. A vantagem é que ela dá ao mercado uma garantia de que a inflação tende a ser mais baixa, pois não poderá acontecer uma situação de o presidente da República pegar o telefone, ligar para o Banco Central e dizer ‘eu tenho eleição no ano que vem, abaixa aí as taxas de juros; não importa que tenha mais inflação; eu quero crescimento já, quero aumento de emprego’.” (cf. entrevista de Mantega à Teoria e Debate, nº 53, maio/2003).

Há mais da mesma coisa nessa entrevista de Mantega. O que o “mercado” pode ter contra um sujeito com essa cabeça?

Em suma, qual é o conteúdo do trecho que transcrevemos?

Os presidentes da República, eleitos pelo povo, são uns irresponsáveis que não se preocupam com a inflação nem com o país – exceto algumas teteias do capachismo, como Fernando Henrique, os presidentes querem juros mais baixos, crescimento e emprego para se elegerem (ou elegerem seus correligionários), e não porque é melhor para o país e o povo.

Já o “mercado” (e Mantega estava se referindo especificamente ao mercado financeiro), não foi eleito por ninguém, mas é composto por gente muito responsável, por exemplo, os executivos do Bear Stearns, do Lehman Brothers, do Goldman Sachs ou do JP Morgan Chase, para não falar do Daniel Dantas, do Cacciola e do Madoff. E não estamos citando exceções.

Possuído pela sofreguidão de se oferecer, nem passou pela cabeça do ministro que, inadvertidamente, sua declaração era uma ode à ditadura, ao desrespeito completo à democracia. Se os presidentes não podem ter uma política econômica, se é o “mercado”, os bancos e demais monopólios financeiros, que determinam os limites – e não somente os limites, mas a própria política, ao tornar o BC, e a política monetária, seu latifúndio - de que vale o voto do povo?

Pois Mantega já era assim há oito anos. Em época tão precoce do governo Lula, já não restara nada do co-autor de “Acumulação Monopolista e Crise no Brasil”, livro que não era genial, mas essencialmente correto. Não por acaso, declarou à “Veja”, quando Dilma já era candidata, que qualquer um que fosse eleito não faria diferença do ponto de vista econômico. Ou seja, tanto fazia Dilma ou Serra.

Não é, em absoluto, verdade que haja uma conspiração para derrubar Mantega. Há pressão para mantê-lo onde está, do jeito que está. Quanto aos problemas reais, são os que ele mesmo armou ou não conseguiu resolver por inapetência, hoje expressa agudamente pelo câmbio mais deletério desde que Gustavo Franco e seu protetor decretaram que um real valia um dólar para baratear importações, devastar a indústria e o emprego - e afundar o país num pântano especulativo.

Não é surpreendente, portanto, que as supostas soluções de Mantega, a começar pela ideia ridícula de que a mola mestra do desenvolvimento é o “investimento direto estrangeiro”, isto é, a desnacionalização da economia, sejam hoje as mesmas do finado Franco – e só não tiveram as mesmas consequências porque Mantega não tem Fernando Henrique, ou coisa que o valha, para respaldá-lo. Nisso, ele, realmente, deu azar, ao ter Lula e Dilma como chefes.

RAZÃO

Corretamente, a presidenta Dilma, em sua entrevista coletiva na China, frisou que “sabemos perfeitamente o porquê [do problema cambial], todos nós sabemos. Vai desde a política de quantitative easing [as superemissões de dólares dos EUA] e de ajuste dos países desenvolvidos até o fato de que o Brasil ainda opera com taxas de juros mais elevadas do que o resto do mundo”.

Exatamente. Desses fatores ou causas, podemos interferir no último. Aliás, devemos - ou a economia do país se transformará em reserva de caça para dólares vadios e seus donos.

Não há razão para tanto medo de que, se acontecer algo com Mantega, venha alguém pior. Tenhamos confiança na presidenta. Mas... e se viesse? Por que essa perspectiva nos faria apoiar o que é hoje o maior obstáculo à continuação das mudanças iniciadas no governo anterior - a submissão de Mantega a bancos e multinacionais, em suma, aos monopólios financeiros externos? Diríamos mesmo que, diante desse desarvoramento, o Palocci até que se assemelha a um modelo de discrição e pudor.

Menos ainda há razão para achar que a política de Mantega é mais do que um misto de neoliberalismo repetido e acoelhada inação, ou que esta última é algo muito original. Inexiste perigo maior de “algo pior” que essa eterna promessa de mediocridade.

Quanto a pintar a realidade com uma cor que não lhe é própria, pode ser que alguns artistas pensem que isso ajuda a presidenta. Mas não ajuda – e Dilma, é bastante razoável supor, sabe disso, pois não foi passando uma demão de tinta sobre a realidade que ela conseguiu triunfar em alguns dos momentos mais difíceis que uma brasileira (ou um brasileiro) já enfrentou.

CARLOS LOPES, diretor de redação do jornal Hora do Povo

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