segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Carlos Lopes

Dinheiro público usado para pagar juros atinge R$ 216 bilhões, diz BC

“Belo primário” de Mantega, até novembro, tirou do Orçamento 2,3 vezes o que foi gasto, durante o ano todo de 2011, com Educação; quase duas vezes o que foi gasto com a Saúde; mais de duas vezes o gasto com a Defesa Nacional; três vezes o que se gastou com o combate à fome; 19 vezes o que foi gasto com o fomento da agricultura e pecuária

Enquanto a mídia faz alarde em torno de R$ 28,4 milhões liberados para prevenção de enchentes (que correspondem, como escreveu a auditora-fiscal Maria Lúcia Fatorelli, “a apenas 21 minutos de pagamento de juros e amortizações da dívida”), o Banco Central divulga que as transferências do setor público aos bancos, sob a forma de juros, atingiram R$ 216 bilhões de janeiro a novembro.
Aqui, em respeito ao leitor, é justo fazer uma observação: diante dos números nas contas do BC e do governo, é lícito que um vivente fique algo pasmado. Não por acaso, alguns especialistas na matéria levantaram imprecisões e, simplesmente, artifícios para disfarçarem-se as transferências de dinheiro público aos bancos. Já apontaremos algumas. Porém, o que não se pode duvidar é que a política econômica e monetária atual é recessiva desde janeiro e, apesar da queda bestial no crescimento, continua recessiva. Os srs. Mantega e Tombini conseguiram fazer o crescimento, que Lula deixara em 7,5%, regredir aos níveis tucanos do operoso governo Fernando Henrique.
Como fizeram isso?
Examinemos o último relatório de política fiscal do Banco Central, divulgado no dia 28 de dezembro.
Por ele, sabemos que o “superávit primário”, isto é, o desvio para juros das receitas dos impostos, que seriam utilizadas nas “despesas primárias” (educação, saúde e todas as demais despesas não-financeiras), subiu 39,5% de janeiro a novembro, em relação ao mesmo período do ano passado.
Até novembro, foram desviados R$ 126,7 bilhões do conjunto do setor público para juros aos bancos, sob a forma de “superávit primário” (mais exatamente, R$ 126.776.791.896,46)
Isso é o que o sr. Mantega chamou de “belo primário”: até novembro, tirou-se do Orçamento 2,3 vezes o que foi gasto, durante o ano todo de 2011, com Educação; quase duas vezes o que foi gasto com a Saúde; mais de duas vezes o gasto com a Defesa Nacional;  três vezes o que se gastou com o combate à fome; 19 vezes o que foi gasto com o fomento da agricultura e pecuária; 27 vezes o que foi gasto com ciência e tecnologia; 103 vezes o gasto total do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior; 96 vezes o gasto do Ministério de Minas e Energia; 12 vezes o gasto do Ministério dos Transportes; 55 vezes o gasto com desenvolvimento agrário; e 166 vezes o gasto com a Cultura (cf. LOA 2011 – Execução Orçamentária por Órgão, 31/12/2011).
Pois, leitor, mesmo com essa chacina orçamentária, as transferências aos bancos em juros somaram R$ 216 bilhões (R$ 216.099.675.344,31). Portanto, os juros aos bancos foram quase R$ 90 bilhões (+R$ 89.322.883.447,85) superiores ao desvio efetuado pelo sr. Mantega, sob o malfadado nome de “superávit primário”. Os bancos, naturalmente, são insaciáveis diante da consistência de certas autoridades.
Sucintamente: o gasto com juros aumentou 23% em relação ao período janeiro-novembro de 2010.
Espremeram-se todas as rubricas do Orçamento; sacrificou-se o atendimento à população; cortaram-se gastos e investimentos públicos; deu-se zero de aumento real aos aposentados e zero de reajuste (isto é, reduziu-se o salário real) dos servidores.
Mesmo assim, os bancos levaram mais R$ 90 bilhões em juros do que o desvio orçamentário – o que significa que a dívida (ou suposta dívida) com os bancos aumentou ainda mais, por conta dos juros.
Diz o sr. Mantega que quer zerar o “déficit nominal”, isto é, a diferença entre o superávit primário e os juros que o governo transfere aos bancos. Nada teríamos contra, se ele quisesse fazer isso diminuindo os juros. Porém, sua política é aumentar o superávit primário, isto é, aumentar as transferências de juros e vandalizar o Estado em prol dessas transferências – e, apesar disso, o “déficit nominal” aumentou 5% de janeiro a novembro de 2011 e o total da dívida mobiliária (isto é, em títulos) aumentou 10%, passando de R$ 2,2 trilhões para 2,5 trilhões (precisamente, de R$ 2.269.739.567.332,32 para R$ 2.501.674.500.928,72).
[O que, também, leitor, mostra como são artificiosos aqueles números da relação dívida líquida/PIB que sempre diminuem, enquanto a dívida só aumenta.]
Em outra matéria desta página, o leitor poderá verificar que isso ainda não é tudo, pois os dados da execução orçamentária do governo federal até 31 de dezembro são mais desastrosos ainda (cf. LOA 2011 - Execução Orçamentária por Órgão, rubrica 71000-Encargos Financeiros Da União; rubrica 75000-Refinanciamento Da Dívida Pública Mobiliária Federal e LOA 2011 - Execução Orçamentária por Grupo Natureza de Despesa, rubricas 2 e 6 – como se poderá notar, há discrepâncias entre os valores pagos dentro da mesma Execução Orçamentária, caso se compare a execução por órgão com a execução por natureza de despesa. Essas são as mágicas a que alguns auditores se referiram).
Assim, segundo o BC, o setor público transferiu aos bancos, em juros, R$ 216 bilhões até novembro, mas a execução orçamentária até 31 de dezembro registra um gasto muito mais alto, R$ 246,6 bilhões, em “encargos financeiros” efetivamente pagos. A soma das amortizações mais o refinanciamento da dívida ascende a R$ 576,9 bilhões, mas sabemos, pela “execução financeira por órgão”, que o refinanciamento foi de R$ 467,8 bilhões – logo, as amortizações em dinheiro seriam R$ 109,1 bilhões. Porém, esse último número não é coerente com o divulgado pelo Tesouro Nacional até junho, quando as amortizações já montavam a R$ 194,44 bilhões (cf. Resultado do Tesouro Nacional, Vol. 17, Nº 6, Tabela A4 – Execução Financeira, julho, 2011).
Independente dessas discrepâncias, que registramos apenas para que o leitor não tenha a sensação de que nós – ou ele – ficamos malucos, é evidente que essa é uma política incompatível com o crescimento. No máximo, podemos, com ela, ter um crescimento rabo-de-cabra, para usar uma expressão do saudoso Gregório Bezerra, camponês nordestino de boa cepa.
Assim, de acordo com o IBGE, até o terceiro trimestre o PIB cresceu apenas 3,2% contra 8,3% no mesmo período do ano passado. É o que se consegue com aumentos de juros e entregas em massa de recursos públicos aos bancos – por conta de taxas que o próprio governo é quem determina, ou deveria determinar, através do Banco Central.

Carlos Lopes é colunista do excelente jornal Hora do Povo

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