segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

OS NÚMEROS DA DÍVIDA

Maria Lucia Fattorelli
Rodrigo Ávila

Auditoria Cidadã da Dívida

Frequentemente temos sido questionados a respeito dos números divulgados pela AUDITORIA CIDADÃ DA DÍVIDA. Considerando que a razão de ser da Auditoria Cidadã é revelar, com transparência e de forma didática e popular os dados e informações acerca do endividamento público, elaboramos o presente artigo a fim de explicar os números do Orçamento da União e o estoque das dívidas interna e externa:

Parte I – A Dívida consome a maior parte do Orçamento da União

Parte II – O Estoque da Dívida Brasileira já supera R$ 3 Trilhões de Reais

I – A Dívida consome a maior parte do Orçamento da União

O Congresso Nacional aprovou e a Presidente Dilma sancionou o Orçamento da União para 2012 no montante de R$ 2.150.458.867.507 (2 trilhões, 150 bilhões, 458 milhões, 867 mil e 507 reais).

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O valor destinado à Dívida Pública corresponde a 47,19% de todo o orçamento, e equivale a R$ 1.014.737.844.451,00, ou seja, mais de 1 trilhão de reais. Referido valor compreende as seguintes rubricas: Juros e Amortizações da Dívida, inclusive a chamada “Rolagem”, também denominada como “Refinanciamento”. A informação honesta sobre o efetivo gasto com a dívida necessariamente tem que somar as referidas rubricas, tendo em vista o seguinte:

1. O custo efetivo dos juros da dívida mobiliária em títulos corresponde aos Juros Nominais pagos pelo governo aos detentores de tais títulos, isto é, ao rendimento total efetivamente pago pelo governo. A recente CPI da Dívida Pública constatou e denunciou que a parcela dos Juros Nominais correspondente à atualização monetária tem sido indevidamente contabilizada pelo governo como “Rolagem” e como “Amortizações” da dívida. Dessa forma, para se obter o valor efetivo dos gastos com a dívida há que se incluir os valores contabilizados nas rubricas Rolagem e Amortizações.
Caso contrário, estaríamos omitindo informação sobre parte dos juros efetivamente pagos;

2. Não se conhece o valor dos Juros Nominais efetivamente pagos, pois não há a devida transparência na divulgação desse número pelo governo. Nem mesmo para a CPI da Dívida o governo informou tal cifra;

3. O que o governo informa a título de juros no Siafi (Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal) corresponde tão somente à parcela dos juros “reais”, ou seja, à parcela dos juros que supera a inflação medida pelo IGP-M. Tal dado não corresponde ao rendimento efetivamente pago aos detentores dos títulos, pois na realidade estes recebem os Juros Nominais que não são devidamente informados pelo governo como acima exposto;

4. Para que haja uma compatibilidade entre todas as rubricas orçamentárias, o gasto efetivo da dívida que deveria constar no Orçamento seria o valor dos juros nominais (e não somente os juros “reais”, que é parte dos juros que supera a inflação), pois todas as demais rubricas representadas no orçamento englobam a respectiva atualização monetária eventualmente embutida em tais gastos. Por exemplo: nos gastos com pessoal, previdência, serviços de saúde, educação, e todos os demais gastos sociais, quando se obtém alguma reposição inflacionária, tal reposição compõe o valor de tal gasto refletido no Orçamento;

5. Quando o governo apresenta, no Orçamento, apenas a despesa com os juros “reais” da dívida, há uma tremenda distorção na compreensão geral do efetivo gasto com a dívida pública, pois todas as demais rubricas orçamentárias estão embutidas da respectiva atualização e o governo não segrega tal parcela. Por isso, para fazer uma comparação dos gastos orçamentários em grandezas equivalentes, para obter o gasto efetivo com a dívida é necessário somar as rubricas “Amortização” e “Refinanciamento”, onde está embutida a parcela significativa dos juros que corresponde à remuneração da atualização monetária;

6. Muitos entendem, equivocadamente, que a parcela dos juros correspondente à atualização monetária da dívida não representaria um custo para o Erário Público.

Ora, se fosse assim, porque o governo tem reagido fortemente contra as reivindicações de reajuste salarial de servidores públicos que pleiteiam meramente a reposição inflacionária? Por que não admite a atualização da Tabela do Imposto de Renda – Pessoa Física, ou o reajuste da Tabela do SUS? O governo tem respondido que tais pleitos significariam “impacto de X bilhões" no Orçamento, o que prova que atualização monetária representa sim um custo para o Erário. Não podemos dar tratamento diferenciado para as diferentes rubricas, sob pena de trabalharmos com dados distorcidos. Vejam a disparidade de tratamento: a atualização monetária da dívida tem sido dada automaticamente e sequer aparece para a população como um custo efetivo, pois vem disfarçada de “Amortização” e “Rolagem”, à parte no orçamento. Por outro lado, todos os anos, o conjunto de servidores públicos e aposentados tem que enfrentar mesas e mesas de enrolação e às vezes sequer obtém a reposição da inflação do período! Em 2011, por exemplo, os servidores foram enrolados o ano inteiro e obtiveram ZERO de reajuste salarial ou sequer de reposição inflacionária.

7. A razão de ser da Auditoria Cidadã da Dívida é investigar e revelar a verdade dos dados e fatos relacionados com o endividamento público. Houve questionamentos para que apresentássemos um outro gráfico do orçamento desconsiderando a atualização monetária de cada rubrica orçamentária. Cabe esclarecer que, por falta de dados, não seria possível elaborar tal gráfico, pois todos os demais gastos orçamentários (à exceção dos privilegiados juros sobre títulos da dívida pública) englobam a atualização monetária e o governo não apresenta tal atualização separadamente.

8. A chamada “Rolagem” da dívida ou Refinanciamento não significa mera novação ou troca de títulos velhos por novos, como muitos acreditam. A CPI da Dívida revelou que antes de cada vencimento de obrigações da dívida é feita nova oferta de títulos ao mercado, por meio dos “dealers” (grandes bancos que tem a prioridade na negociação dos títulos), ficando o Tesouro sujeito à chantagem do mercado financeiro, que só compra os títulos quando as taxas de juros se elevam até onde desejam os bancos. Assim, não se trata de mera troca, mas novas operações em novas condições, sujeitas às comissões e demais custos que tampouco são revelados de forma transparente pelo governo. Adicionalmente, a CPI da Dívida comprovou taxativamente que a chamada “Rolagem” da dívida ou Refinanciamento não significa mera novação ou troca de títulos, pois nessa rubrica está embutida a parte significativa dos juros nominais referente à remuneração da atualização monetária calculada pelo IGP-M, como acima detalhado;

9. As Amortizações necessariamente correspondem a gasto anual com a dívida, pois, além de nessa rubrica estarem embutidos parte dos juros nominais, as amortizações consomem recursos obtidos pela União de várias fontes, tais como: o valor recebido dos estados federados (pela cobrança das dívidas estaduais); os recursos obtidos com as contínuas privatizações; os lucros das estatais referentes à parte ainda pública das mesmas; o rendimento da Conta Única do Tesouro, dentre outros privilégios da dívida.

Em 2011, de acordo com dados do Orçamento da União, os gastos com a dívida consumiram R$ 708 bilhões, equivalentes a 45,05% de todas as destinações realizadas durante o ano:

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Elaboração: Auditoria Cidadã da Dívida. Fontes:
http://www8a.senado.gov.br/dwweb/abreDoc.html?docId=20715-  Transferências a Estados e Municípios (Programa "Operações Especiais - Transferências Constitucionais e as Decorrentes de Legislação Específica")

Nota 1: As despesas com a dívida e as transferências a estados e municípios se incluem dentro da função "Encargos Especiais".

Nota 2: O gráfico não considera os restos a pagar de 2011, executados em 2012. É evidente o sacrifício geral de toda a sociedade, dos entes federados e do próprio país diante do privilégio da dívida. Por isso é fundamental exigirmos a AUDITORIA dessa dívida, especialmente diante dos graves indícios de ilegalidade apontados pela CPI da Dívida Pública, que fortalecem a necessidade de profunda investigação desse processo. A urgência na investigação do endividamento público aumenta ainda mais face à conjuntura de crise da dívida na Europa e Estados Unidos, provocada pelo sistema financeiro desregulado que está tentando transferir tal crise para os países em desenvolvimento, principalmente para o Brasil.

II - O Estoque da Dívida Brasileira já supera R$ 3 Trilhões de Reais Quanto ao estoque da dívida, frequentemente temos sido questionados a respeito dos números divulgados pela AUDITORIA CIDADÃ DA DÍVIDA. No presente artigo indicamos as fontes oficiais de onde extraímos os dados que divulgamos. O último dado consolidado divulgado pelo governo foi o de Novembro/2011 (Logo que for divulgado o de dezembro/2011, as informações serão atualizadas na página da Auditoria Cidadã da Dívida): O estoque da Dívida Interna alcançou R$ 2.501.674.500.928,72, ou seja, mais de 2 TRILHÕES e 501 BILHÕES de REAIS. (Fonte: http://www.bcb.gov.br/ftp/NotaEcon/NI201112pfp.zip - Quadro 35) O estoque da Dívida Externa alcançou US$ 406.801.663.629,47 ou seja, mais de 406 BILHÕES (que representa cerca de R$ 700 bilhões, considerando-se a taxa de conversão de R$ 1,72) (Fonte: http://www.bcb.gov.br/ftp/NotaEcon/NI201112sep.zip - Quadros 51 e 51-A) Portanto, em novembro/2011 o estoque da dívida brasileira chegou a R$ 3.201.373.362.371,41, ou seja, 3 TRILHÕES e 201 bilhões de Reais, o que corresponde a 78% do PIB. Alertamos que a comparação com dados de dívida / PIB de outros países pode levar a conclusões errôneas, tendo em vista que o governo brasileiro pratica as taxas de juros mais elevadas do mundo (atualmente a taxa básica está em 10,5% ao ano, mas os títulos estão sendo vendidos a taxas superiores a esta, principalmente no caso de títulos “pré-fixados”, ou vinculados a índice de preços), enquanto outros países praticam taxas muitas vezes menores: Estados Unidos da América do Norte (0,25%), Japão (0,1%), Inglaterra (0,5%). (Fonte: http://www.brasileconomico.com.br/paginas/taxas-de-juros_81.html). Cabe comentar também que, recentemente, a Alemanha conseguiu emitir títulos a juros negativos.

ESTOQUE DA DÍVIDA “INTERNA”

Inicialmente, cabe esclarecer que a definição clássica de dívida interna já não pode ser aplicada à realidade atual, tendo em vista que grande parte da dívida interna é de fato externa, pois os títulos emitidos pelo Tesouro Nacional tem sido adquiridos principalmente por bancos e instituições financeiras (fundos de pensão e de investimento) estrangeiros, pois pagam os maiores juros do mundo, isentos de tributos para estrangeiros e sem controle de capitais. O estoque da Dívida Interna Federal denominada em títulos (Dívida Mobiliária Federal Interna) chegou a R$ 2,5 TRILHÕES em novembro de 2011, conforme mostra o quadro 35 da planilha de dados oficiais em excel disponível no endereço abaixo: http://www.bcb.gov.br/ftp/NotaEcon/NI201112pfp.zip Tal valor representava em novembro 61% do PIB. É preciso ter cautela para não confundir com outros valores divulgados pelo governo e alguns setores da imprensa, que excluem parcelas da dívida mobiliária: . O número de R$ 1,8 trilhão tem sido amplamente divulgado como estoque da dívida mobiliária interna na mesma data (NOV/2011). Este número OMITE o montante de títulos da dívida interna em poder do Banco Central (BC), que alcançou o valor de R$ 749 bilhões na mesma data. O governo alega que tal valor corresponderia a uma dívida entre setores do mesmo governo (Tesouro e Banco Central), justificando assim a sua omissão na informação do estoque da dívida interna. Na prática, o Tesouro emite os títulos da dívida mobiliária e os entrega ao Banco Central que, por sua vez, repassa-os aos bancos por meio das "Operações de Mercado Aberto". Tais operações correspondem à troca desses títulos da dívida por dólares (que o BC aplica geralmente em reservas internacionais ou para o controle da base monetária). Portanto, a maior parte dos títulos da dívida não fica em poder do BC, mas é efetivamente repassada aos bancos. Portanto, não se trata de dívida entre setores do mesmo governo, tendo em vista que os títulos foram repassados pelo BC aos bancos. A parte dos títulos que fica com o BC é utilizada para que o Tesouro cubra os constantes prejuízos do BC com a manutenção das reservas (em benefício do mesmo setor financeiro privado), dado que nos últimos anos o dólar tem se desvalorizado frente ao real. Adicionalmente, estejam os títulos em poder de quem seja, os mesmos correspondem a títulos efetivamente emitidos e sobre estes terão que ser pagos os juros nominais a cada período (de acordo com o prazo de cada emissão) e ao final terão que ser resgatados. Dessa forma, trata-se efetivamente de dívida pública e a omissão de quaisquer parcelas fere o princípio da transparência.
. Dívida Líquida A chamada “Dívida Líquida” é um valor distorcido da realidade e sem sentido lógico, pelas seguintes razões: Para obter a tal “dívida líquida” o governo desconta créditos que tem a receber (tais como as reservas internacionais), mas não considera as demais obrigações a pagar, como o Passivo Externo, por exemplo. Aí está a primeira grande distorção. Além disso, enquanto os títulos da dívida remuneram a taxas de juros mais elevadas do mundo, as reservas internacionais (aplicadas em sua maioria em títulos da dívida norte-americana) não rendem quase nada ao Tesouro Nacional. Aí está outra grande distorção: subtrair parcelas que possuem custos totalmente distintos. O acúmulo elevado de reservas internacionais tem provocado enorme custo ao país devido a essa disparidade de rendimentos. O termo “Dívida Líquida” é uma definição esdrúxula utilizada apenas no Brasil, pois os juros nominais efetivamente pagos são calculados e pagos sobre a dívida bruta e não sobre a líquida. Adicionalmente, as amortizações tem sido feitas sobre a dívida bruta e não líquida. A utilização do termo “dívida líquida” tem trazido grande confusão e ilusão a muitos setores, tendo em vista que o mesmo encobre grande parte da dívida efetiva que está sendo paga por todos nós de várias formas: com elevada carga tributária, ausência de serviços públicos de qualidade; cortes de gastos sociais; negativas a reajustes salariais decentes; negativa de aumento para o salário mínimo e remuneração de aposentados, etc. O governo tem continuamente comemorado que a “dívida líquida” teria caído de 60% do PIB na “Era FHC” para cerca de 40% atualmente. Tal proporção se deve ao fato do enorme crescimento das reservas internacionais às custas de tremendo custo ao país e prejuízos ao Banco Central (que são arcados pelo Tesouro Nacional, ou seja, por todos nós). Em português bem simples, o que o governo tem feito nos últimos anos é semelhante a uma pessoa entrar no cheque especial (pagando juros altíssimos) para depositar na poupança (ganhando juros baixos), e ainda dizer que sua “dívida líquida não aumentou”.

ESTOQUE DA DÍVIDA EXTERNA

O estoque da dívida "externa" já atingiu US$ 406,8 bilhões, conforme mostram os quadros 51 e 51-A da planilha do Banco Central disponível no link abaixo. http://www.bcb.gov.br/ftp/NotaEcon/NI201112sep.zip. Cabe ressaltar que o governo costuma divulgar um montante bem menor de dívida externa. A partir de 2001, a pretexto de adotar metodologia recomendada pelo FMI, os dados da dívida externa passaram a ser divulgados sem os chamados “empréstimos inter-companhias”, ou seja, os empréstimos devidos por multinacionais a suas matrizes no exterior. O montante de US$ 406,8 bilhões inclui a dívida externa privada, pois a mesma envolve uma obrigação do Estado, tendo em vista que é o BC o responsável por disponibilizar dólares para o pagamento desta dívida, se necessário, às custas de privatizações, juros altos, e aceitação das políticas do FMI, como sempre ocorreu e continua ocorrendo. CONCLUSÃO É fundamental exigirmos transparência dos dados relacionados ao endividamento público brasileiro, que tem absorvido a maior parte dos recursos orçamentários, sacrificando toda a população e comprometendo o futuro do país. A transparência é um princípio consagrado na Constituição Federal e a Lei de Responsabilidade Fiscal determina que todas as despesas e receitas da gestão fiscal sejam publicadas de forma transparente e com amplo acesso público.

AUDITORIA JÁ!

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