domingo, 26 de fevereiro de 2012

Corte permite, ‘com folga’, drenar 140 bilhões a bancos, diz ministro

Por Carlos Lopes

Mantega desvia R$ 55 bilhões do Orçamento para pagar juros

Para a maioria das pessoas é difícil entender porque o governo aprovou um Orçamento para 2012 no Congresso, com sanção presidencial sem nenhum veto, publicou-o no Diário Oficial do dia 20 de janeiro – e, agora, nem decorridas quatro semanas, faz um corte de R$ 55 bilhões.

Ao que parece, há quem ache que cortar verba destinada às necessidades do povo é coisa bonita e edificante. Segundo o ministro Mantega, “nós fizemos um corte bastante ousado. O valor de R$ 55 bilhões é elevado. Esse corte permite tranquilamente fazermos o primário de R$ 140 bilhões para este ano”.

Em suma, governar é passar dinheiro público para os bancos. Atender ao povo é questão de somenos – se sobrar dinheiro. Segundo o ministro, o governo cortou R$ 55 bilhões com o único objetivo de fazer um “superávit primário” recorde, de R$ 140 bilhões. Em outras palavras, o governo tirou R$ 55 bilhões da Educação, Saúde, etc., porque quer transferir R$ 140 bilhões aos bancos, em juros (na verdade, mais: o Banco Central estimou, para este ano, em R$ 200 bilhões os juros a serem drenados do setor público para os bancos – v. HP, 27/01/2012).

É isso o que Mantega chama de “ousado”: cortar R$ 5,473 bilhões da Saúde, R$ 3,319 bilhões da Defesa, R$ 3,322 bilhões do Ministério das Cidades, R$ 1,938 bilhão da Educação, R$ 1,958 bilhão da Agricultura, R$ 2,193 bilhões da Integração Nacional, R$ 1.194 bilhão do Desenvolvimento Agrário, R$ 1,976 bilhão dos Transportes, 493 milhões da Previdência Social - além de R$ 7,7 bilhões em benefícios previdenciários, 1,543 bilhões da Assistência Social, toda a verba do Fundo de Desenvolvimento da Amazônia e do Fundo de Desenvolvimento do Nordeste, todo o complemento do governo federal ao FGTS (R$ 2,957 bilhões), mais R$ 5,158 bilhões (isto é, 50%) dos subsídios do governo federal, etc., etc.

Dizer que foi “cortado”, esconde que esse dinheiro será desviado para os bancos. Nisso consiste a “ousadia” - em se submeter à pilhagem especulativa, pagando juros que o próprio governo determina e mantém em alturas estratosféricas, às custas da população.

Isso já é suficiente para amargar a vida de qualquer cidadão. Mas ainda temos de aguentar as explicações do sr. Mantega. Por exemplo:

“A programação orçamentária que nós vamos apresentar [isto é, os cortes] privilegia o aumento do investimento.” - e seguem-se loas ao investimento, novidade recentemente descoberta pelo sr. Mantega.

Porém, dos R$ 55 bilhões cortados – isto é, desviados para os bancos – nada menos que R$ 25,567 bilhões (46,5% do total) são cortes nos investimentos do governo federal.

Portanto, o sr. Mantega pretende aumentar os investimentos através da diminuição dos investimentos.

Vejamos outro trecho:

“Temos aumentado o investimento no País. Este ano passaremos dos 20%. Nosso desafio - porque não é fácil - em 2012 é que cheguemos a uma taxa de investimento sobre o PIB de 20,8%. É uma meta ambiciosa.” - e o adjetivo “ambiciosa” é repetido quase interminavelmente.

A primeira frase é mentira. A taxa de investimento estagnou completamente, se é que não caiu, no primeiro ano do atual governo. Em 2010, ela foi 19,5% do PIB. Em 2011, segundo o número apresentado pelo próprio Mantega, foi 19,6% do PIB. Nem sabemos se esse último número não está superestimado, pois o IBGE ainda não publicou o resultado – portanto, é bom suspeitar, até porque a diferença de 0,1 entre um ano e outro parece acrescentada para mostrar que houve algo diferente.

Mas não faz a mínima diferença: a taxa de investimento não cresceu. Logo, não é verdade que “temos aumentado o investimento”, o que até a cepa de “comentaristas econômicos” sabe. Por exemplo:

“Depois do desempenho decepcionante em 2011, o investimento entra em 2012 num cenário marcado pela incerteza” (Valor, 09/01/2012).

Ou:

“Entre um grupo de 20 países considerados emergentes (…), o Brasil está entre os três que menos investem (na frente apenas de Egito e Filipinas). Na América Latina, países como Peru, Chile e Colômbia têm conseguido aumentar suas taxas de investimento para níveis próximos a 25% do PIB. Já China e Índia atingiram taxas de investimento próximas de 47% e 32% do PIB, respectivamente”.

A taxa de 20,8% nada tem de “ambiciosa”. Ao contrário, é um aumento pequeno para um país do tamanho e com a economia do Brasil, contanto que se tenha uma política econômica que permita aumentar o investimento. Então, por que Mantega tanto repetiu que era “ambiciosa”, “difícil”, etc.?

Porque ele estava escondendo um recuo, ao apresentá-lo como um avanço. No dia 20 de dezembro de 2011, ao fazer um balanço da sua gestão, ele colocou como objetivo, para 2012, uma taxa de investimento de 21,5% - o que seria mais razoável e nada impossível de atingir.

Dois meses depois, ele baixou a meta em quase um ponto percentual – e apresentou a redução como um objetivo tão “ambicioso”, que só pode ser alcançado por um esforço hercúleo.

O que também não é verdade – a taxa de investimento não subiu em 2011, primeiro porque os investimentos públicos foram bloqueados. A taxa de investimento público em relação ao PIB caiu em 2011 (cf. IPEA, Comunicado nº 126, “Como anda o investimento público no Brasil?”, 26/12/2011).

Mas essa era a “teoria” de Mantega, a de que, para aumentar o investimento privado, era necessário diminuir o investimento público. Não vamos comentar outra a vez essa charlatanice, que contraria a experiência econômica de um século ou mais, sobretudo desde 1930. Mas a firmeza de Mantega em suas teses é tanta que, na última quarta-feira, disse, literalmente, que, em 2012 “os investimentos públicos vão fomentar os investimentos privados”. Onde ele depositou a sua teoria de poucos meses atrás? Não sabemos, leitor, nem queremos saber.

A outra razão porque a taxa de investimento não subiu é que o setor privado não vai aumentar qualitativamente seus investimentos enquanto os juros estiverem nas alturas, enquanto for mais fácil e seguro ganhar na especulação que na produção – e enquanto houver um câmbio que toma o seu mercado, ao subsidiar uma pororoca de importados.

Mantida essa situação, realmente, até um aumento relativamente exíguo como este, de 19,6% para 20,8%, será um suadouro. Mas não existe porque manter essa situação, exceto por servilismo - sabe-se lá com que preço de mercado – aos interesses financeiros que saqueiam a Nação.

Entretanto, é suspeita a forma como Mantega apresentou sua redução na meta da taxa de investimento, supostamente dificílima de alcançar – um indício seguro de que nada disso é sério.

A mesma coisa em relação a “4,5% de crescimento é uma taxa satisfatória para o Brasil”. Há poucos dias, a meta de crescimento era 5%. Agora, foi reduzida para 4,5% - e virou “satisfatória”, quando, em 2011, enquanto o crescimento do Brasil foi pífio, a Mongólia, Bangladesh, Moçambique, Peru, Camboja, Turquia, Cazaquistão, Indonésia, Argentina, Congo, para não falar da China ou da Índia, cresceram acima de 6%, e não foram somente esses países que cresceram a uma taxa decente.

Que diferença, leitor, faz 5% ou 4,5%? Em 2011, o sr. Mantega começou suas previsões com 5,5% e, de 0,5 em 0,5 a menos, chegamos aqui, com ele falando na dificuldade quase sobrenatural de atingir 4,5%, quando, em 2010, alcançamos 7,5% - e ninguém morreu por causa disso, pelo contrário.

Por último, uma joia manteguiana sobre o superávit primário: “na medida em que se cria poupança pública, o Estado poupa mais (…), isso abre espaço para a redução da taxa básica de juros”.

O superávit primário não é para poupar, mas para desperdiçar dinheiro com os bancos, sob a forma de pagamento de juros. Não se trata de poupança, mas de gasto perdulário. E não há teoria idiota que explique porque pagar mais juros aos bancos fará com que eles caiam.

Carlos Lopes é colunista do excelente jornal Hora do Povo

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