sábado, 18 de junho de 2016

José Sarney: "Que seja o leiteiro"

Quarta-feira tomei conhecimento da íntegra da delação do senhor Sérgio Machado. Posso assegurar ao povo maranhense — que já conhece do que ele é capaz — que nela, em relação a mim, não há nenhuma afirmação verdadeira. Nunca recebi das mãos desse senhor nenhum centavo. Nunca discuti com os senadores Renan Calheiros e Romero Jucá questão relativa a recursos financeiros. Não conheço nem nunca tive qualquer contato com os filhos do senhor Sérgio Machado nem com a pessoa por ele citada.

Fico reconfortado por a Constituição que ajudei a fazer ser sábia ao entregar ao Supremo Tribunal Federal a sua guarda, e não à Procuradoria Geral da República.

Todo mundo conhece minha vida, dedicada à busca da justiça social. Nunca estive envolvido com corrupção, a não ser para combatê-la. Os que me conhecem sabem que levo uma vida discreta, para alguém que exerceu os maiores cargos da República.

Fizeram uma armadilha. Um indivíduo, que conheci — pensava conhecer — por muitos anos, que tinha acesso à minha casa, a meu convívio, a minha mesa, depois de flagrado passou a me visitar para gravar nossas conversas. Chorava a injustiça de que estaria sendo alvo, lançava iscas, comentários longos que me induziam, procurando ser solidário, a dizer as frases que queriam ouvir e que desejavam que fossem ouvidas.

Já tinham pronta a ideia de me acusar de obstrução à Justiça. Não importava se as gravações não mostravam isso.

Estou processando Sérgio Machado, para esclarecer a verdade e punir o delator. O seu objetivo foi utilizar minha biografia para dar amplitude a sua delação. O das ações cautelares humilhar-me e desrespeitar-me. As raízes desse procedimento estão na política do Maranhão.

Mas não sou somente eu que devo ser objeto de preocupação. O Brasil está em crise. A economia se desfaz. O executivo vive seu drama maior, o processo de impeachment. O legislativo é atacado por todos os lados. O judiciário parece refém da opinião pública. A confiança nas instituições acabou.

Isso é consequência de uma democracia imperfeita, que há muito denuncio. Há 28 anos, fui atacado quando falei que havia pontos na nova Constituição que tornariam o País ingovernável. Desde então venho pedindo reformas do Estado, do sistema eleitoral, tantas outras.

O Brasil não pode se reconstruir na divisão. Precisamos de conciliação, a velha fórmula que dominou os momentos felizes de nossa história.

Espero a resposta da Justiça às acusações sem qualquer fundamento que me fazem. A decisão do Ministro Teori Zavascki desmanchou a primeira calúnia. O Supremo Tribunal Federal é a proteção de todo cidadão contra a calúnia e a injustiça.

Mas espero, sobretudo, que possamos viver o que Churchill explicava ser democracia: quando, de madrugada, ao ouvirmos o toque da campainha, sabemos que é o leiteiro, não a polícia.

José Sarney


José Sarney foi governador, deputado e senador pelo Maranhão, presidente da República, senador do Amapá, presidente do Senado Federal por diversas vezes. Tudo isso, sempre eleito. São mais de 55 anos de vida pública. É também acadêmico da Academia Brasileira de Letras (desde 1981) e da Academia das Ciências de Lisboa.


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